Gente frágil e com dificuldade
para sobreviver sozinha poderia ser vista como inútil. Mas nossa mente foi
projetada para sentir compaixão pelos outros
por Texto Giovana Girardi
Sabe a máxima “Não faça aos
outros o que não gostaria que fizessem a você”? Pois esse é um dos possíveis motivos.
Cuidar de idosos e de doentes é um comportamento movido pelo nosso instinto de
moral e por uma capacidade conhecida como “teoria da mente”, por muito tempo
vista como unicamente humana. Ela equivale a se colocar no lugar de outra
pessoa, e até de outros seres vivos, para imaginar sua dor, seus sentimentos.
Intuir o que se passa com o outro
é o que acaba levando à compaixão
e, por fim, ao altruísmo sem segundas intenções. Como explica o psicólogo
americano Steven Pinker em seu livro Tábula Rasa, “nossa teoria da mente está
ligada à nossa habilidade para ter empatia e à nossa concepção de vida e morte
(...). É a fonte do conceito de alma. Uma crença na alma, por sua vez, entrelaça-se
às nossas convicções morais”. E o cerne da moralidade, continua ele, “é o
reconhecimento de que os outros têm interesses tanto quanto nós temos”.
A observação desse tipo de
comportamento em nossos primos mais próximos, os bonobos e os chimpanzés, sugere
que a atenção com o próximo foi uma característica perpetuada pela evolução,
como propõe o primatólogo holandês Frans de Waal em seu livro Eu, Primata.
Coração frágil
Um dos casos que ilustram sua
hipótese é o do bonobo Kidogo, que sofria de um problema no coração e foi
colocado em um novo zoológico para ser tratado. Confuso pela doença e sem
entender os comandos dos tratadores, ele não conseguia nem sequer ir para onde
era chamado. Depois de algumas tentativas frustradas, outros bonobos se
aproximaram dele e o levaram até onde os veterinários queriam – uma
demonstração de que entendiam não só as intenções dos médicos como também a
situação do colega. De Waal ainda enumera mais alguns exemplos de bichos e
humanos que agem em assistência a outros seres sem pensar em si próprios para
concluir que essa é uma tendência que deve ter se originado em ações de
reciprocidade e de cuidado com a família, expandindo-se depois para os demais
indivíduos.
Estudos do neurocientista
brasileiro Jorge Moll Neto sobre altruísmo de certo modo confirmam essa idéia.
Em um trabalho publicado na revista científica PNAS, ele sugeriu que o
comportamento altruísta ativa o sistema de recompensas do cérebro – área ligada
ao prazer. Ele observou que uma doação para uma entidade filantrópica ativava
essa região e também o córtex subgenual (envolvido com a formação de laços
afetivos, como o que ocorre entre mãe e filho, entre casais e amigos).
Extrapolando um pouco as
conclusões do estudo, Moll Neto propôs uma explicação evolutiva para o altruísmo.
Ele usa como exemplo as primeiras sociedades tribais, em que as pessoas tinham
even-tualmente de se juntar para construir algo para a comunidade nascente.
“Podemos deduzir que o sistema de apego foi remodelado de modo a nos
envolvermos com causas abstratas. Acredito que isso foi fundamental para a
estabilização da espécie. Nossa sobrevivência individual dependeu de a gente
cooperar com o grupo.”
US$ 300 milhões é o valor
aproximado anual de doações para caridade feitas nos EUA, o país do mundo que
mais faz esse tipo de contribuição aos necessitados.