16.12.12

FELIZ NATAL (com um mimo para você)

Desejamos à todos Feliz Natal e um lindo ano novo, deixamos aqui, um mimo para todos vocês que durante o ano de 2012 nos deram o prazer da visita e de comentários tão gentis.

beijinho

Silvia Masc e Cristiane Fetter

19.7.12

Eduardo Moacyr Krieger: O mestre da hipertensão


© LÉO RAMOS
Fisiologista criou no InCor o mais importante grupo nacional de pesquisa integrada de pressão arterial
MARILUCE MOURA e RICARDO ZORZETTO | Edição 197 - Julho de 2012
Um dos planos que estava na cabeça do jovem gaúcho Eduardo Moacyr Krieger, quando se formou médico em Porto Alegre, em 1953, era se tornar cardiologista e trabalhar na Faculdade de Medicina. Mas logo ele seria desviado para sempre desse caminho, por influência decisiva de dois eminentes argentinos, os fisiologistas Bernardo Houssay, Prêmio Nobel de Fisiologia e Medicina de 1947, e Eduardo Braun Menéndez, responsável pela descoberta da angiotensina, em 1940. Nesse caso, em vez de reclamar dos vizinhos como de hábito, só cabe aos brasileiros lhes agradecer, porque quem mais ganhou com essa mudança de rota foi o campo da fisiologia cardiovascular no país e, especialmente, a pesquisa da hipertensão. O professor Krieger, 84 anos, para além de suas seminais contribuições diretas ao conhecimento dos mecanismos de controle da pressão arterial, foi o criador, ainda nos anos 1950, de um importante grupo de pesquisa na Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP), em Ribeirão Preto, e adiante, em 1985, criador do mais respeitado grupo de pesquisa integrada em hipertensão do país, com considerável inserção internacional, o do Instituto do Coração (InCor) do Hospital das Clínicas da USP, em São Paulo.

Krieger, um dos nove filhos de um comerciante de origem alemã radicado em Cerro Largo, na época parte do município de São Luiz Gonzaga, perto da fronteira do Rio Grande do Sul com a Argentina, e o único destinado pela família a cursar faculdade, em paralelo às suas atividades de professor e pesquisador, manteve sempre um certo gosto pela política acadêmica. E nesse lado do seu currículo, entre vários outros, há que se destacar o trabalho, por 14 anos, como presidente da Academia Brasileira de Ciências (ABC), função em que buscou incansavelmente melhorar o posicionamento da ciência e da comunidade científica do país na cena internacional.
Pai de dois cientistas respeitados, José Eduardo Krieger e Marta Helena Krieger, e avô de três netos, casado com dona Lorena há 55 anos, o professor Eduardo Moacyr Krieger, vice-presidente da FAPESP desde 2010, enquanto finaliza mais um projeto temático que coordena, encara neste momento um novo desafio: organizar a disciplina e um grupo de medicina translacional no InCor. A seguir, os principais trechos da entrevista que ele concedeu a Pesquisa FAPESP.
Vamos começar pela linha de pesquisa a que o senhor mais tem se dedicado, os mecanismos de regulação da pressão arterial. Como isso teve início?
Eu comecei, na realidade, quando iniciei minha carreira científica. Recém-formado em Porto Alegre, na Faculdade de Medicina, encontrei o grupo de fisiologistas argentinos liderado pelo professor Bernardo Houssay, Prêmio Nobel de Fisiologia e Medicina de 1947. E entre os discípulos dele estava Eduardo Braun Menéndez, que, em 1940, havia descoberto a angiotensina, uma das substâncias importantes na regulação da pressão arterial. Eu queria fazer carreira universitária e, em 1954, esse grupo veio a Porto Alegre num programa da Capes [Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior]. Eles vinham em rodízio, ficavam um mês. O próprio Bernardo Houssay passou meses em Porto Alegre. Como eu tinha interesse em cardiologia, trabalhei nesta oportunidade com Braun Menéndez. Depois fui a Buenos Aires, fiquei lá sete ou oito meses, trabalhando no sistema renina-angiotensina.

No laboratório de quem?
Do professor Bernardo Houssay, que estava havia quase 10 anos fora da universidade. Devido a manifestações contra a ditadura militar, o grupo foi expulso da Faculdade de Medicina em 1943. Houssay, que era um patriota, sempre dizia que a ciência não tem pátria, mas o pesquisador tem e, mesmo prêmio Nobel, ele nunca quis sair da Argentina. Trabalhava lá em condições precárias, numa casa adaptada da família de Braun Menéndez, que tinha muito dinheiro. Cada quarto se tornara um laboratório. A casa ficava na rua Costa Rica, num bairro bastante distante [Palermo]. O pessoal da faculdade de medicina não conhecia mais o Bernardo Houssay, e toda semana chegavam a seu laboratório grandes pesquisadores do mundo inteiro. Era um ambiente fantástico. Ao lado da casa maior tinha uma casinha que alcançávamos passando por uma cancela do jardim. Ali era o laboratório de bioquímica de Luis Leloir, prêmio Nobel de Química em 1970. Esse era o ambiente, cheio de prêmios Nobel presentes e futuros, ao qual eu chegara pensando só em fazer um estágio, voltar ao Brasil e fazer cardiologia. Mas tudo isso me despertou a atenção para a pesquisa básica e fui em seguida aos Estados Unidos completar minha formação científica. Estive na Universidade da Geórgia, no sul dos Estados Unidos, lugar que Bernardo Houssay me indicou porque, segundo ele, os melhores fisiologistas cardiovasculares estavam lá. Eu ia com bolsa da Fundação Rockefeller, que disse que eu tinha de ir para uma universidade na costa leste ou na costa oeste. Mas Houssay disse: “A da Geórgia pode não ser a melhor universidade, mas ela tem o melhor pesquisador cardiovascular”.

E quem era ele?
Era William Hamilton. Junto com ele tinha Raymond Ahlquist, que descobriu os alfa e beta adrenorreceptores. Então eu aprendi todos os receptores com seu próprio criador. Foi muito bom, fiquei um ano e pouco e fiz um treinamento em fisiologia e farmacologia cardiovascular fantástico. Lá recebi um convite para ir a Ribeirão Preto, porque a universidade estava se organizando, procurando pessoas eminentes do exterior e queria alguém do grupo de Bernardo Houssay. A universidade encontrou Miguel Covian, na Argentina. Ele veio para Ribeirão e me convidou para formar o grupo cardiovascular. Tomei a decisão nos Estados Unidos de, em vez de voltar a Porto Alegre, ir para Ribeirão. Eu não conhecia, mas sabia que era da USP e isso era uma boa informação. Sabia que era uma universidade que estava recebendo um auxílio maciço da Rockefeller para se dedicar à ciência. Cheguei a Ribeirão Preto em 1957. Estava se formando a primeira turma, que começara em 1952, e encontrei um ambiente notável, cativante, uma segunda faculdade de medicina da USP, mas toda voltada à pesquisa.

Básica?
E clínica. Ribeirão Preto foi a pioneira em dedicação exclusiva na área clínica no Brasil. Comecei a fazer pesquisas em regulação da pressão em hipotermia até que viesse um equipamento dos Estados Unidos. Eu precisava fazer reflexos  para examinar como o sistema nervoso e a regulação da pressão funcionavam a temperaturas cada vez menores. Tinha que estimular o sistema de várias formas, reflexa, central ou periférica. Foi muito interessante, porque nessa pesquisa de reflexos, cujo campo eu conhecia bem, descobri que no rato o nervo que controla e dá informação sobre a pressão arterial, que chamamos de barorreceptor ou pressorreceptor, era isolado na região cervical. Isso era uma novidade. Caí nesse nervo isolado e resolvi fazer um estudo sistemático das vias de tráfego de pressorreceptores no rato. Com isso, consegui uma desnervação completa do sistema, um modelo usado até hoje. É o meu trabalho com mais citações, umas 600. Foi publicado em 1964 na Circulation Research, uma revista bastante importante. É um trabalho importante que nasce de uma observação casual. Eu não estava procurando aquilo. Mas, tendo encontrado, resolvi fazer um estudo sistemático. Saíram vários trabalhos: como trafegam esses nervos, suas características nos ratos para regular a pressão arterial.

O senhor lembra o dia da descoberta?
Lembro. Era final dos anos 1950, começo dos 1960. Não tínhamos ainda alunos de pós-graduação (o que aconteceria apenas a partir de 1970), mas tinha um grupo que vinha sempre de Buenos Aires para Ribeirão Preto nas férias e cada laboratório mostrava o que estava fazendo. Ao fazer umas demonstrações para eles, percebi que, ao estimular a parte central do nervo vago, às vezes obtinha aumento e, às vezes, queda de pressão. Achei aquilo estranho e num dia disse a eles que na demonstração procuraria saber se o que estava achando era verdade, ou seja, que o curare administrado ao animal estava provocando a inversão da resposta. Então, demos o curare, estimulamos o vago, e não aconteceu absolutamente nada. Aí observei com uma lupa maior e verifiquei que não era um nervo só, mas dois. Ao lado do vago, um nervo maior que facilmente podemos isolar e estimular na parte central, vi que tinha um outro nervinho, o simpático, que na maioria das espécies não se separa, mas no rato estava separado. Então estimulei os dois e um dava só queda de pressão e o outro, só aumento. Então descobri que no rato é possível ter isolado o simpático do nervo vago e que o simpático continha as fibras pressorreceptoras aórticas. E isso era uma beleza!

Sua conclusão foi: “Acabo de descobrir algo que ninguém sabia”.
Fiz um estudo sistemático, publiquei vários trabalhos sobre como transitavam esses nervos, dois ou três deles mostrando as possibilidades de trabalhar com os pressorreceptores do rato. Foi aí que publiquei o trabalho bem conhecido de desnervação dos pressorreceptores. Fiquei entusiasmado, porque uma das coisas importantes em meu trabalho era saber como o sistema nervoso se adapta às hipertensões. E o pressorreceptor está implicado o tempo todo nesse processo. A cada batimento cardíaco, ele descarrega porque a pressão aumenta, distende o vaso e excita os receptores. Os pressorreceptores são a principal fonte de informação para conseguirmos manter a pressão em níveis normais. Quando a pressão sobe e as descargas aumentam, inibimos o simpático para fazer a pressão diminuir. Igualmente a excitação dos pressorreceptores estimula o vago para diminuir a frequência cardíaca e o débito cardíaco, favorecendo a normalização da pressão arterial. É bem conhecido que na hipertensão crônica não há bradicardia, mostrando que o reflexo está adaptado. Decidi, portanto, estudar como esse nervo trabalha nas hipertensões. Tinha sido feita uma verificação de que quando se implanta uma hipertensão, que nesse momento é aguda, esses nervos se adaptam depois de um tempo. Por isso alguém hipertenso não tem uma redução da frequência cardíaca, mas isso acontece se a pressão sobe de repente, porque há o reflexo. Em outras palavras, o reflexo se adapta cronicamente.

O senhor se referiu a uma bradicardia.
Sim, uma redução da frequência cardíaca que é um dos principais indicadores do funcionamento do pressorreceptor. Quando se aumenta a estimulação, ele produz uma bradicardia e uma vasodilatação por diminuição do simpático. Esse é o reflexo principal e está adaptado na hipertensão, todos sabem disso. O problema era saber como isso ocorre. Havia um trabalho no cão segundo o qual a adaptação começava quatro ou cinco dias depois do aumento da pressão arterial. Com o rato, um modelo em que se pode controlar melhor a pressão, um dos primeiros trabalhos que fiz foi a sequência de adaptação dos pressorreceptores na hipertensão. Produzi uma hipertensão súbita por coarctação da aorta [compressão], tratei de mantê-la lá em cima e mostrei que após seis horas já se verifica uma pequena adaptação, 30%, e depois de 48 horas praticamente todos os animais já estão adaptados. O que é a adaptação? É o deslocamento do limiar de estimulação, deslocando toda a faixa de funcionamento dos pressorreceptores. Mostrei que uma adaptação completa leva 48 horas – alguns animais um pouquinho mais ou um pouquinho menos. Vamos dizer que, de cada 10 animais, nove haviam feito uma adaptação completa em 48 horas. Fiz muitos trabalhos a esse respeito e procurei também mostrar como quando a pressão volta ao normal também normaliza a adaptação. Fazia modelos de hipertensão renal, coisa que já fazíamos havia muito tempo com Braun Menéndez, colocando um clipe na artéria renal para deixar o rato com a pressão aumentada cronicamente e o presso adaptado. Então eu fazia uma reversão também súbita da hipertensão, retirando o clipe, e ia ver quanto tempo levava. E eu mostrei que para a reversão precisava-se de seis horas. O que eu buscava com isso era entender como se comporta o principal mecanismo reflexo de controle nas diferentes elevações e quedas de pressão. Ele se adapta? Como? E eu iria mostrar posteriormente que ele se adapta, sua faixa de funcionamento sobe para níveis de hipertensão, mas sua sensibilidade passa a ser diferente, ele fica menos sensível, como mostramos pela primeira vez na literatura. Podemos testar a sensibilidade do mecanismo variando agudamente a pressão e vendo como se comporta a descarga do pressorreceptor que está na parede da artéria e que envia informação para o sistema nervoso central. É possível comparar a curva de descarga de um animal normal com a de um hipertenso, que é mais inclinada, mais deitada.

Esse é o seu artigo de 1970?
Não, o de 1970 mostra a se-quência da adaptação. Depois publiquei muitos artigos mostrando a reversão. Depois outros mostrando que na hipotensão – muito rara na clínica – também há adaptação em cerca de 48 horas e reversão bastante rápida. A sensibilidade é outra coisa e hoje tudo isso voltou a ter implicação clínica. Porque se alguém tem uma hipertensão de causa qualquer e o mecanismo principal de regulação está adaptado, mas apresenta sensibilidade menor, ele é menos eficiente em controlar a pressão. A pressão varia de momento a momento, quando se dorme, senta, levanta, corre, enfim, ela sobe ou desce de acordo com as circunstâncias fisiológicas. Quando se tem um sistema de regulação menos eficiente, as flutuações são muito maiores. Aí é que vem a explicação: todo hipertenso que tem o presso adaptado, com a sensibilidade menor, tem uma variabilidade maior da pressão. E o que significa isso? Está já provado que não só o nível, mas também a variabilidade lesa muito os vasos. E nos últimos anos resolveu-se retomar algo que no passado não tinha funcionado muito bem, que é estimular o pressorreceptor para diminuir o simpático e reduzir a pressão arterial. Com a melhoria das tecnologias tornou-se possível implantar eletrodos na carótida do paciente que, aparentemente, não lesam muito o vaso e fazem uma estimulação mais de campo. E agora já tem vários trabalhos na literatura mostrando que em hipertensões resistentes a estimulação do barorreceptor pode ser uma medida terapêutica.

Qual o papel do rim na regulação da pressão arterial?
Não há mais dúvida de que a hipertensão primária é multifatorial. Ela resulta do desequilíbrio entre mecanismos pressores e depressores. Dos primeiros, o mais antigo estudado é o simpático, que controla o calibre dos vasos e o débito cardíaco. Depois veio o sistema renina-angiotensina. A renina já era conhecida desde o fim do século retrasado, mas o mecanismo que faz aumentar a pressão, a angiotensina, foi descoberto por Braun Menéndez, simultaneamente com [Irvine] Page nos Estados Unidos. Isso deu força ao mecanismo do sistema renina-angiotensina-aldosterona. A angiotensina estimula a glândula adrenal a produzir aldosterona, o que provoca retenção de sal. Esses são os dois mecanismos mais conhecidos. Já os mecanismos depressores envolvem as cininas, como a bradicinina, descoberta no Instituto Biológico, em São Paulo, por Maurício Oscar da Rocha e Silva em 1948. Houve um avanço enorme quando Robert F. Furchgott, que ganhou o prêmio Nobel, descobriu há duas décadas que o endotélio, em vez de apenas proteger o vaso e impedir a coagulação, é uma fábrica de produtos hipertensores e hipotensores. Descobriu-se então que o óxido nítrico (NO) é o grande hipotensor e que tem uma ação tônica. Dentro de cada sistema que se considerava pressor ou depressor na verdade há elementos pressores e antipressores. Portanto, os mecanismos de regulação de pressão são muito complexos. Mas por que a pessoa se torna hipertensa? Com os dados que temos até agora sabemos o seguinte: primeiro, o sistema de regulação da pressão arterial está intimamente ligado aos genes. Recebemos como carga genética os mecanismos controladores da pressão. A síntese dos mecanismos pressores e depressores é feita pelos genes, portanto a carga genética pode facilitar a produção de substâncias pressoras ou formar menos substâncias hipotensoras. Através da carga genética já temos alguma predisposição para ser hipertenso ou não. Mas não basta trazer essa predisposição, o problema seguinte é o meio ambiente, que está o tempo todo suscitando regulação da pressão arterial.

E quando o senhor fala de meio ambiente…
É o sal, a inatividade, a obesidade, o estresse e, atualmente, a inflamação. Todas essas coisas, de uma forma ou de outra, mexem com o sistema de regulação.
Então, se você tem um sistema de regulação muito bom, pode acontecer o que for que não vai suceder nada com sua pressão. Se você tiver um sistema muito ruim, pode ficar sem comer um grama de sal, deitado numa rede e vai ficar hipertenso. Esse é o estado da arte atual sobre a hipertensão essencial, resultado da combinação do terreno com o meio ambiente. Não podemos mexer no terreno, a menos que futuramente se consiga – e vamos conseguir – saber a carga genética de cada um. Aí se pode até fazer um aconselhamento de casamento a partir dessa carga, no que diz respeito à hipertensão.

O senhor já estava no campo da fisiologia, mecanismos de regulação etc., quando começaram os muitos avanços da genética dos últimos anos. Em que medida esses avanços ajudaram a direcionar algumas experiências?
Durante 28 anos, em Ribeirão Preto, com os alunos de pós-graduação – e tinha muito aluno – as linhas de pesquisa eram quase todas ligadas ao sistema nervoso e a mecanismos de regulação de pressão arterial. Aí eu vim para São Paulo e continuei essa linha de pesquisa.

Quando o senhor veio para São Paulo?
Em 1985 me aposentei em Ribeirão e vim para São Paulo, com 56 anos de idade. Porque fui convidado para desenvolver a hipertensão no InCor e de forma integrada. Então agora é que começa a parte clínica. Vim continuar minha pesquisa experimental, que era o que eu sabia fazer, tinha o reconhecimento internacional pelo que eu estava fazendo. Mas eu queria também fazer a pesquisa clínica e em Ribeirão Preto eu trabalhava no Departamento de Fisiologia só com animais de experimentação. Aqui tive a oportunidade de desenvolver toda uma linha de pesquisa com o paciente. Estudei a regulação da pressão durante o sono e o exercício. Procuramos estudar também a influência dos reflexos na pressão arterial, investigando o presso e o quimiorreceptor, o sistema cardiopulmonar. Desenvolvemos uma técnica de registro do [funcionamento do sistema nervoso] simpático, que se mede com uma agulha colocada no nervo peroneiro. Conseguimos ver a atividade basal do simpático e como ele se comporta nas diferentes circunstâncias. Enfim, montamos uma linha muito grande. Também estudamos o papel dos pressorreceptores no sono e a partir do trabalho de um de nossos colaboradores com o grupo de Geraldo Lorenzo, aqui do InCor, que estuda sono, uma das linhas importantes da hipertensão no InCor é a regulação da pressão no sono. A apneia do sono tem uma ligação muito grande com a pressão arterial. Durante a apneia, diminui o nível de oxigênio e aumenta o de gás carbônico. Isso estimula os quimiorreceptores, que estão localizados na carótida e são sensíveis à tensão dos gases. Quando se para de respirar, os gases se alteram, estimulam-se os quimiorreceptores e a pressão vai lá para cima. O efeito desses surtos depois de algum tempo deixa consequência permanente.

A apneia do sono altera a pressão?
É muito comum associar-se à hipertensão. Quando se corrige a apneia, a pressão tende a diminuir.

Continuando, essa interação…
Aí vem a parte clínica. Tínhamos clínicos, cardiologistas e pneumologistas. Mas havia também o pes-soal da educação física, que é o grupo do Carlos Eduar-do Negrão, que começou aqui conosco fazendo pesquisa em animal de experimentação e depois nos seres humanos. Hoje ele tem uma linha independente. Na parte de enfermagem, comecei a fazer projetos em que as enfermeiras veem os problemas de adesão ao tratamento. E em seguida veio a biologia molecular, que entra de forma interessante. Meu filho se formou em Ribeirão Preto em 1984. Ele foi para os Estados Unidos e fez um doutorado experimental, em fisiologia clássica guytoniana. Guyton foi um dos grandes fisiologistas. Ele terminou o doutorado no início de 1990, quando a biologia molecular estava entrando firme no estudo da hipertensão. Ele terminou o doutorado e foi para Harvard e depois Stanford estudar a biologia molecular da hipertensão. Na volta, se integrou ao nosso grupo. O primeiro trabalho que fizemos foi acasalar ratos hipertensos com ratos normais. Depois de dois cruzamentos, os netos vão ser muito espalhados, com pressão variada e tal. Então a ideia era examinar os netos. Se eles são hipertensos, é porque trouxeram alguma coisa do avô hipertenso. Então estudamos o genoma deles para ver as diferenças em relação aos normotensos.

Foi aí que identificaram algumas regiões cromossômicas…
Foi o nosso primeiro trabalho em colaboração. Encontramos cinco regiões relacionadas à hipertensão. Os projetos que apresentei na FAPESP nos últimos 10 anos sempre foram temáticos, integrados, em que nós temos a parte experimental e a parte da clínica. É isso que eu tenho feito nos últimos anos. Agora estou passando para outro campo. Eu consegui, e foi isso que eu vim fazer aqui, uma equipe integrada de profissionais da fisiologia, da clínica, da biologia molecular, educação física, enfermagem, psicologia, nutrição, todos voltados para estudar hipertensão.

Essa é a grande equipe de ponta nos estudos da hipertensão no Brasil.
Não tenha dúvida. Conseguimos um diferencial. Um dos primeiros do grupo que saiu foi para Milão para ver monitorização de pressão arterial. Outro foi para Paris estudar a propriedade elástica dos vasos e como eles se alteram na hipertensão. Outro foi para Charleston estudar metabolismo na hipertensão. Depois outra saiu e foi ver a parte neurogênica. O último saiu para estudar apneia do sono na John Hopkins.Esse grupo aqui do InCor é um grupo de ponta, porque integra o conhecimento.

E o senhor, como pai desse grupo, tem um imenso orgulho de tudo isso.
Tenho. No Brasil formei 32 ou 33 doutores e uns 10 já são professores titulares. Tem gente muito boa. Tem um grupo de fisiologia em Belo Horizonte que é top no mundo. Eles estudam a angiotensina 1-7, que é diferente porque é a angiotensina boa. Esse grupo, de Rob-son Augusto dos Santos, patenteou e está desenvolvendo com laboratórios brasileiros compostos com potencial de se tornarem medicamentos. E Maria José Campagnole dos Santos é a outra professora titular. Os dois trabalharam comigo em Ribeirão Preto. Tem Kleber Franchini, em Campinas, que também fez doutorado comigo. Ele tem uma molécula e está procurando fazer a inovação com a indústria brasileira. No grupo de Ribeirão tem dois ou três titulares. Quem lidera a fisiologia cardiovascular no Instituto de Ciências Biomédicas da USP é Lisete Michelini, que trabalhou comigo em Ribeirão.

O senhor tem mais de 200 artigos científicos. Qual foi o mais importante para o conhecimento da hipertensão?
Eu diria que é a série de artigos em que mostrei o funcionamento dos pressorreceptores. É a sequência de adaptação desses receptores na hipertensão e na hipotensão e a sensibilidade deles. Com a Lisete Michelini, estudei o mecanismo pelo qual eles se adaptam. Conseguimos mostrar que a sequência de adaptação é a mesma da dilatação da aorta na hipertensão. Associamos a adaptação às alterações que ocorrem no vaso. A propósito, no Departamento de Fisiologia em Ribeirão tinha um colega espetacular, José Venâncio de Pereira Leite, dono de uma cultura técnica e científica fantástica. Nós levávamos os problemas a ele, que procurava resolvê-los. Então lhe propus o seguinte problema: eu precisaria ver como se comporta o local onde estão os pressorreceptores na hipertensão aguda. Tinha na literatura um Strain Gauge [dispositivo usado para medir o estresse de um objeto], que era um silástico com mercúrio que funcionava numa das pontas da ponte de wheatstone [medidor de resistências elétricas]. O silástico era colocado no coração, ou em algum lugar, e era muito usado em medicina. Mas na aorta do rato, pequenininha, não dava, porque o mercúrio quebrava e tal. José Venâncio encontrou um jeito: fez uma solução saturada de nitrato de cobre e funcionou que era uma beleza. Colocávamos no silástico esse líquido, que é condutor e tem certa estabilidade, e funcionava dois ou três dias, o suficiente para as experiências. Ele desenvolveu isso com a Lisete, que era aluna da pós-graduação. Conseguimos fazer vários trabalhos importantes, mostrando como funciona o calibre da aorta na hipertensão. Relacionamos o tempo de adaptação com o tempo de modificação do vaso e vimos que o vaso se adapta. Nas primeiras seis horas resiste ao aumento de pressão, quando então tem uma pequena adaptação dos pressorreceptores. A adaptação completa, a de 48 horas, varia um pouco, de rato para rato, e se dá quando a aorta se distende. Ela atinge um novo limiar e agora passa a funcionar, digamos, normalmente. Se antes ela funcionava assim, e o receptor estava ali, agora ela passa a funcionar com o calibre dilatado e o receptor passa a ser estimulado de maneira parecida, mas não igual, porque as dimensões são diferentes e a sensibilidade cai.

Quando essa aorta está mais alargada, porque acabou se adaptando ao processo, ela não determina que a passagem do sangue seja mais lenta? O sistema circulatório não fica mais lento?
Não, porque o problema todo da hipertensão é no nível das arteríolas, o aumento da resistência é ali. A aorta sofre a consequência de ter que a aumentar a pressão para vencer a resistência. Ela se adapta, porque é bem elástica. Ela armazena parte do volume sistólico. O coração bate e se a artéria fosse rígida, o sangue iria direto para os capilares e nós ficaríamos sem sangue durante a diástole, desmaiaríamos. O sistema arterial é muito interessante porque as arteríolas têm uma resistência enorme, são torneirinhas bem fechadas. Então quando o coração expele o sangue, ele tem mais possibilidade de distender as artérias grandes para acumular do que para fazer passar o sangue lá. Então as artérias acumulam sangue. Quando o coração para de expelir sangue e entra em diástole, cujo tempo corresponde ao dobro do da sístole, as grandes artérias liberam o sangue que tinham. No vaso capilar, onde o interesse é a troca, o fluxo é contínuo, graças a esse mecanismo fantástico, mas perigosíssimo. Basta modificar um pouco a torneirinha que dá hipertensão. É um mecanismo fantástico que a natureza criou, sem isso teríamos um sistema precário. Como oxigenar as células cerebrais que precisam constantemente de sangue novo? É preciso ter câmara elástica e alta resistência.

O senhor está  deixando a coordenação de seu grupo no InCor. O que vai fazer?
Tenho duas tarefas para completar: um temático, que deve durar mais um ano e pouco, com o qual estamos tentando obter biomarcadores da evolução terapêutica dos pacientes, para saber se um paciente pode responder melhor ou pior a um tratamento, e um projeto do Ministério da Saúde e do CNPq sobre hipertensão resistente, do qual participam 26 centros e hospitais universitários. Queremos saber a porcentagem de brasileiros resistentes à terapêutica da hipertensão.

Há alguma hipótese?
Sim. Nos países avançados de 20 a 30% dos pacientes, mesmo recebendo um tratamento ótimo, continuam hipertensos. No Brasil não há trabalhos de fôlego. Num primeiro momento, o paciente será submetido ao tratamento padrão, com doses ótimas e controladas. Faremos monitorização de pressão para descobrir essa porcentagem. Em seguida, vamos randomizar os pacientes resistentes e ver qual é a melhor medicação para eles, uma que atua no sistema nervoso central ou uma que age no sistema renina-angiotensina-aldosterona. Isso é medicina translacional, que tem dois aspectos. O primeiro é passar o conhecimento para a clínica. O segundo é transformar o que se vê na pesquisa clínica em medidas de saúde pública. Falta cerca de um ano e pouco para terminar. Estamos com mil dos 2 mil pacientes de que precisamos.

O conceito de medicina translacional tem uns 10 anos…
O termo é novo, mas a ideia de pesquisa translacional é antiga, remonta à década de 1940. Durante a guerra, premido pela necessidade de tecnologia militar, foi criado o Vale do Silício em parceria com a Universidade Stanford. Aquilo simbolizou a rapidez com que o conhecimento vai da universidade para o setor privado. Ali começou um círculo virtuoso resultante da passagem rápida do conhecimento para a aplicação. A medicina tardou a fazer isso. Começou há 12 anos. Primeiro o Instituto de Medicina da National Academy of Sciences começou a discutir por que a investigação clínica no país não avançava como a pesquisa básica biomédica, que é uma beleza. Os NIH [Institutos Nacionais de Saúde] começaram a se preocupar com isso e o principal passo ocorreu quando Elias Zerhouni se tornou presidente dos NIH. Ele fez o chamado road map dos NIH para três grandes áreas: as áreas estratégicas que precisavam ser estudadas; a formação de equipes multidisciplinares; e a reengenharia da investigação clínica ou medicina translacional. Ele achava necessário um esforço para a investigação clínica beneficiar a saúde pública. Criaram o programa para financiar os núcleos de medicina translacional nas universidades. Começaram com 10 ou 12 universidades em 2007 e 2008 e hoje são umas 40 ou 50. Os NIH pretendem financiar a gestão da pesquisa universitária. Eles querem um núcleo de integração na universidade, principalmente na área da saúde, que faça o avanço do conhecimento básico com interação com as outras disciplinas (física, química, informática etc), e que o conhecimento chegue rapidamente à clínica e à saúde pública. Visitei a Universidade da Pensilvânia, que tem um núcleo de medicina translacional que é uma beleza.

Aí o senhor pensou: como faço algo semelhante no Brasil?
Pensei: o InCor nasceu translacional, nasceu com a ideia de que o conhecimento precisa passar da bancada para o leito. Então achei que era hora de ter uma disciplina chamada cardiologia translacional. Procuro auxiliar o pessoal a fazer projetos e a introduzir a inovação, uma das coisas que permeia esse tipo de medicina. Houve um simpósio sobre inovação no InCor, fiz uma revisão da lei federal de inovação, a Lei do Bem, e da lei estadual, mostrando a importância de ter núcleos de inovação tecnológica em vários centros. Também estou auxiliando o diretor a internacionalizar as atividades da Faculdade de Medicina.

E sua experiência na Academia Brasileira de Ciências?
Foram 14 anos. Me tornei presidente em 1993 e, em 1997 ou 1998, a academia re-ce-beu um convite para integrar uma espécie de federação das academias, a Inter-Academy Panel, IAP, com quase uma centena de associados. Em 2000 fizemos uma reunião em Tóquio e o estatuto foi aprovado. Fui eleito presidente para representar os paí-ses em desenvolvimento de 2000 a 2003. Também representei a ABC no Interacademy Council, composto por 13 academias. Essas duas entidades proporcionaram à ABC inserção internacional. Conheci a política científica, como as academias se auxiliam, os temas globais com que as academias e os pesquisadores devem se preocupar. Mas preciso destacar que minha chegada à presidência da ABC coincidiu com uma oportunidade de participar da política nacional. José Israel Vargas foi nomeado ministro da Ciência e Tecnologia quando era vice-presidente da ABC. Ele promoveu a academia, que se tornou reconhecida em plano nacional. A SBPC dominava o terreno. Conseguimos equilibrar o jogo e hoje as duas são consideradas importantes, se entendem e colaboram.

O senhor ajudou a criar o Brazilian Journal of Medical and Biological Research?
Eu era presidente da Sociedade Brasileira de Fisiologia. Vínhamos conversando com o pessoal da bioquímica e da farmacologia que estava na hora de as áreas básicas de biomedicina criarem uma revista nacional em inglês, por que já tinha densidade e trabalhos o suficiente. Fomos procurados por Alberto Carvalho da Silva, que era fisiologista, e pelo pessoal do CNPq, com a seguinte ideia: Michel Jean, hematologista, tinha criado a Revista Brasileira de Pesquisas Metrobiológicas, que era indexada. Eles queriam que a gente pegasse a revista. Mas queríamos uma revista em inglês. A solução seria mudar o nome. Então o Michel disse: “Eu passo a revista para vocês fazerem o que quiserem”. O CNPq apoiou. E foi o que fizemos. Para tornar viável, criamos a Associação Brasileira de Divulgação Científica, formada pelas mesmas sociedades que iriam integrar a Fesbe, criada quatro ou cinco anos depois. Para fazer a revista criamos uma associação que é a dona da publicação e eu passei a ser presidente da associação e o editor, junto com o Sérgio Henrique Ferreira. Fiz parte também do comitê de revistas da FAPESP. Trabalhei com a bibliotecária Rosali Duarte, que era daRevista de Genética, e percebemos que recebíamos pedidos das revistas e não sabíamos o que aquilo significava. Então fizemos o primeiro trabalho brasileiro publicado sobre a qualificação das revistas. Há um trabalho publicado por nós que é a primeira classificação das revistas. Precisávamos daquilo para decidir o que fazer.

De tudo o que senhor fez na política científica, o que lhe é mais caro?
O que teve mais repercussão foi a minha atuação como presidente da ABC porque conseguimos, na esfera nacional e internacional, projetar a ciência brasileira. E ter o reconhecimento da academia como um órgão de assessoramento do governo. Estou até hoje como membro do Conselho Nacional de Ciência e Tecnologia, subordinado à presidente, e vivo cobrando que aquilo tem de funcionar melhor. A fundação da FESBE também foi importante, assim como a criação da Sociedade Brasileira de Hipertensão. Sempre fiz parte dessas associações, porque eu estava trabalhando e continuei trabalhando na bancada. Sou professor e cientista, e também ativista. Quando nós criamos o IAP, Bruce Alberts, que foi presidente da Academia Americana por 12 anos, escreveu um artigo de que gostei muito. A tese dele é que as academias deviam se tornar mais ativistas. O cientista tem obrigação social de trabalhar para fazer com que a ciência  reverta em benefício para a sociedade. O esforço que tenho feito hoje é o de entender a medicina com foco na prevenção. E a prevenção é educação.

Sua relação com a medicina translacional mostra essa preocupação?
É o foco. Estamos programando na faculdade  uma conferência internacional sobre educação médica. Não podemos formar um médico que conheça todas as especialidades e sem noção do que vai trabalhar na atenção primária. É preciso ao mesmo tempo ensinar a curar o doente e prevenir a doença. Não temos  recursos financeiros para dar tratamento a todos com a sofisticação tecnológica atual. Temos de trazer à cena a prevenção da doença, ela é muito mais barata e tem muito mais repercussão. Assim, as pessoas ficarão mais tempo gozando de boa saúde.

28.6.12

A vida de solteiro é um caminho viável para a felicidade - Flávio Gikovate


O psiquiatra decreta a morte do amor romântico e diz que
a vida de solteiro é um caminho viável para a felicidade
Com 41 anos de clínica, o médico psiquiatra Flávio Gikovate acompanhou os fatos mais marcantes que mudaram a sexualidade no Brasil e no mundo.
Por meio de mais de 8.000 pessoas atendidas, assistiu ao impacto da chegada da pílula anticoncepcional na década de 60 e a constituição das famílias contemporâneas, que agregam pessoas vindas de casamentos do passado.
Suas reflexões sobre o amor ao longo de esse tempo foram condensadas no seu 26º livro, Uma História de Amor... com Final Feliz. Na obra, a oitava sobre o tema, Gikovate ataca o amor romântico e defende o individualismo, entendido não como descaso pelos outros e sim como uma maneira de aumentar o conhecimento de si próprio.
Tendo sido um dos primeiros a publicar um estudo no país sobre sexualidade, atuou em diversos meios de comunicação, como jornais e revistas e na televisão.
Atualmente, possui um programa na rádio, em que responde perguntas feitas por ouvintes. Aos 65 anos, ele atendeu a reportagem de Veja em seu consultório no elegante bairro dos Jardins, em São Paulo.
O senhor diria para a maioria das pessoas que o casamento pode não ser uma boa decisão na vida?
Gikovate - Sim. As pessoas que estão casadas e são felizes são uma minoria. Com base nos atendimentos que faço e nas pessoas que conheço, não passam de 5%. A imensa maioria é a dos mal casados. São indivíduos que se envolveram em uma trama nada evolutiva e pouco saudável. Vivem relacionamentos possessivos em que não há confiança recíproca nem sinceridade. Por algum tempo depois do casamento, consideram-se felizes e bem casados porque ganham filhos e se estabelecem profissionalmente. Porém, lá entre sete e dez anos de casamento, eles terão de se deparar com a realidade e tomar uma decisão drástica, que normalmente é a separação.
 Ficar sozinho é melhor, então?

Gikovate - Há muitos solteiros felizes. Levam uma vida serena e sem conflitos. Quando sentem uma sensação de desamparo, aquele 'vazio no estômago' por estarem sozinhos, resolvem a questão sem ajuda. Mantêm-se ocupados, cultivam bons amigos, lêem um bom livro, vão ao cinema. Com um pouco de paciência e treino, driblam a solidão e se dedicam às tarefas que mais gostam. Os solteiros que não estão bem são geralmente os que ainda sonham com um amor romântico. Ainda possuem a idéia de que uma pessoa precisa de outra para se completar. Pensam, como Vinicius de Moraes, que 'é impossível ser feliz sozinho'. Isso caducou. Daí, vivem tristes e deprimidos.

 Por que os casamentos acabam não dando certo?
Gikovate - Quase todos os casamentos hoje são assim: um é mais extrovertido, estourado, de gênio forte. É vaidoso e precisa sempre de elogios. O outro é mais discreto, mais manso, mais tolerante. Faz tudo para agradar o primeiro. Todo mundo conhece pelo menos meia-dúzia de casais assim, entre um egoísta e um generoso. O primeiro reclama muito e, assim, recebe muito mais do que dá. O segundo tem baixa auto-estima e está sempre disposto a servir o outro. Muitos homens egoístas fazem questão que a mulher generosa esteja do lado dele enquanto ele assiste na televisão os seus programas preferidos. Mulheres egoístas não aceitam que seus esposos joguem futebol. Consideram isso uma traição. De um jeito ou de outro, o generoso sempre precisa fazer concessões para agradar o egoísta, ou não brigar com ele. Em nome do amor, deixam sua individualidade em segundo plano. E a felicidade vai junto. O casamento, então, começa a desmoronar. Para os meus pacientes, eu sempre digo: se você tiver de escolher entre amor e individualidade, opte pelo segundo.

Viver sozinho não seria uma postura muito individualista?
Gikovate - Não há nada de errado em ser individualista. Muitos dos autores contemporâneos têm uma postura crítica em relação a isso. Confundem individualismo com egoísmo ou descaso pelos outros. São conceitos diferentes. Outros dizem que o individualismo é liberal e até mesmo de direita. Eu não penso assim. O individualismo corresponde a um crescimento emocional. Quando a pessoa se reconhece como uma unidade, e não como uma metade desamparada, consegue estabelecer relações afetivas de boa qualidade. Por tabela, também poderá construir uma sociedade mais justa. Conhecem melhor a si próprio e, por isso, sabem das necessidades e desejos dos outros. O individualismo acabará por gerar frutos muito interessantes e positivos no futuro. Criará condições para um avanço moral significativo.

 Por que os casamentos normalmente ocorrem entre egoístas e generosos?
Gikovate - A idéia geral na nossa sociedade é a de que os opostos se atraem. E isso acontece por vários motivos. Na juventude, não gostamos muito do nosso modo de ser e admiramos quem é diferente de nós. Assim, egoístas e generosos acabam se envolvendo. O egoísta, por ser exibicionista, também atrai o generoso, que vê no outro qualidades que ele não possui. Por fim, nossos pais e avós são geralmente uniões desse tipo, e nós acabamos repetindo o erro deles.
 Para quem tem filhos não é melhor estar em um casamento? E, para os filhos, não é melhor ter pais casados?
Gikovate - Para quem pretende construir projetos em comum – e ter filhos é o mais relevantes deles – o melhor é jogar em dupla. Crianças dão muito trabalho e preocupação. É muito mais fácil, então, quando essa tarefa é compartilhada. Do ponto de vista da criança, o mais provável é que elas se sintam mais amparadas quando crescem segundo os padrões culturais que dominam no seu meio-ambiente. Se elas são criadas pelo padrasto, vivem com os filhos de outros casamentos da mãe, mas estudam em uma escola de valores fortemente conservadores e religiosos, poderão sentir algum mal-estar. Do ponto de vista emocional, não creio que se possa fazer um julgamento definitivo sobre as vantagens da família tradicional sobre as constituídas por casais gays ou por um pai ou mãe solteiros. Estamos em um processo de transição no qual ainda não estão constituídos novos valores morais. É sempre bom esperar um pouco para não fazer avaliações precipitadas.

Que conselhos você daria para um jovem que acaba de começar na vida amorosa?
Gikovate - É preciso que o jovem entenda que o amor romântico, apesar de aparecer o tempo todo nos filmes, romances e novelas, está com os dias contados. Esse amor, que nasceu no século XIX com a revolução industrial, tem um caráter muito possessivo. Segundo esse ideal, duas pessoas que se amam devem estar juntas em todos os seus momentos livres, o que é uma afronta à individualidade. O mundo mudou muito desde então. É só olhar como vivem as viúvas. Estão todas felizes da vida. Contudo, como muitos jovens ainda sonham com esse amor romântico, casam-se, separam-se e casam-se de novo, várias vezes, até aprender essa lição. Se é que aprendem. Se um jovem já tem a noção de não precisa se casar par ser feliz, ele pulará todas essas etapas que provocam sofrimento.

 As mulheres são mais ansiosas em casar do que os homens? Por quê?
Gikovate - As mulheres têm obsessão por casamento. É uma visão totalmente antiquada, que os homens não possuem. Uma vez, quando eu ainda escrevia para a revista Cláudia, o pessoal da redação fez uma pesquisa sobre os desejos das pessoas. O maior sonho de 100% das moças de 18 a 20 anos de idade era se casar e ter filho. Entre os homens, quase nenhum respondeu isso. Queriam ser bons profissionais, fazer grandes viagens. Essa diferença abismal acontece por razões derivadas da tradição cultural. No passado, o casamento era do máximo interesse das mulheres porque só assim poderiam ter uma vida sexual socialmente aceitável. Poderiam ter filhos e um homem que as protegeria e pagaria as contas. Os homens, por sua vez, entendiam apenas que algum dia eles seriam obrigados a fazer isso. Nos dias que correm, as razões que levavam mulheres a ter necessidade de casar não se sustentam. Nas universidades, o número de moças é superior ao de rapazes. Em poucas décadas, elas ganharão mais que eles. Resta acompanhar o que irá acontecer com as mulheres, agora livres sexualmente, nem sempre tão interessadas em ter filhos e independentes economicamente.

 Como será o amor do futuro?
Gikovate - Os relacionamentos que não respeitam a individualidade estão condenados a desaparecer. Isso de certa forma já ocorre naturalmente. No Brasil, o número de divórcios já é maior que o de casamentos no ano. Atualmente, muitos homens e mulheres já consideram que ficarão sozinhos para sempre ou já aceitam a idéia de aguardar até o momento em que encontrarão alguém parecido tanto no caráter quanto nos interesses pessoais. Se isso ocorrer, terão prazer em estar juntos em um número grande de situações. Nesse novo cenário, em que há afinidade e respeito pelas diferenças, a individualidade é preservada. Eu estou no meu segundo casamento. Minha mulher gosta de ópera. Quando ela quer ir, vai sozinha. E não há qualquer problema nisso.

Quando duas pessoas decidem morar juntas, a individualidade não sofre um abalo?
Gikovate - Não necessariamente elas precisarão morar juntas. Em um dos meus programas de rádio, um casal me perguntou se estavam sendo ousados demais em se casar e continuarem morando separados. Isso está ficando cada dia mais comum. Há outros tantos casais que moram juntos, mas em quartos separados. Se o objetivo é preservar a individualidade, não há razão para vergonha. O interessante é a qualidade do vínculo que existirá entre duas pessoas. No primeiro mundo, esse comportamento já é normal. Muitos casais moram até em cidades diferentes.

 É possível ser fiel morando em casas ou cidades diferentes?
Gikovate
- A fidelidade ocorre espontaneamente quando se estabelece um vínculo de qualidade. Em um clima assim, o elemento erótico perde um pouco seu impacto. Por incrível que pareça, essas relações são monogâmicas. É algo difícil de explicar, mas que acontece.

 Com o fim do amor romântico, como fica o sexo?
Gikovate - Um dos grandes problemas ligados à questão sentimental é justamente o de que o desejo sexual nem sempre acompanha a intimidade efetiva, aquela baseada em afinidade e companheirismo. É incrível como de vez em quando amor e sexo combinam, mas isso não ocorre com facilidade. Por outro lado, o sexo com um parceiro desconhecido, ou quase isso, é quase sempre muito pouco interessante. Quando acaba, as pessoas sentem um grande vazio. Não é algo que eu recomendaria. Hoje, as normas de comportamento são ditadas pela indústria pornográfica e se parece com um exercício físico. O sexo então tem mais compromisso com agressividade do que com amor e amizade. Jovens que têm amigos muito chegados e queridos dizem que transar com eles não tem nada a ver. Acham mais fácil transar com inimigos do que com o melhor amigo. Penso que, com o amadurecimento emocional, as pessoas tenderão a se abster desse tipo de prática.

 As desilusões com o primeiro casamento têm ajudado as pessoas a tomar as decisões corretas?
Gikovate - No início da epidemia de divórcios brasileira, na década de 70, as pessoas se separavam e atribuíam o desastre da união a problemas genéricos. Alguns diziam que o amor acabou. Outros, o parceiro era muito chato. Não se davam conta de que as questões eram mais complexas. Então, acabavam se unindo à outras pessoas muito parecidas com as que tinham acabado de descartar. Hoje, os indivíduos estão mais críticos. Aceitam ficar mais tempo sozinhos e fazem autocríticas mais consistentes. Por causa disso, conseguem evoluir emocionalmente e percebem que terão que mudar radicalmente os critérios de escolha do parceiro. Se antes queriam alguém diferente, hoje a tendência é buscarem uma pessoa com afinidades.

O senhor já escreveu colunas para jornais, revistas, atuou na televisão e agora tem um programa na rádio. O senhor se considera um marqueteiro?
Gikovate - Sempre gostei de trabalhar com os meios de comunicação. Psicologia não é assunto para especialistas, mas de todo mundo. Faço essas coisas também porque é uma forma de entrar em contato com um público diferente do que eu encontro normalmente. Na rádio, respondo perguntas de gente tacanha, que jamais teriam condição de pagar uma consulta. Estão em um outro patamar financeiro. Mas o que dizem, é ouro puro. As colunas e programas de rádio que eu faço não me trazem clientes. Às vezes, só atrapalham. Em 1982, aceitei trabalhar com o Corinthians. Era a democracia corinthiana. Foi um balde de água fria na clínica. Imagine só, o Corinthians! Não foi o tipo de notícia que meus pacientes gostaram de ouvir. Eu fiquei lá dois anos. Meu pai ficava chocado com essas coisas, porque naquele tempo médico de bom nível não fazia essas coisas. Não estava nem aí. Quando eu me interesso por alguma coisa, eu vou. No mais, se eu fosse um simples marqueteiro, não teria durado 41 anos.

 Apesar de todo esse tempo de clínica, o senhor atuou sozinho, longe das universidades. Por quê?
Gikovate - O mundo acadêmico está cheio de papagaios, que repetem fórmulas prontas. Citam sempre outros pensadores, mas nunca vão a lugar algum. Não têm coragem para disso. Esse universo, do qual eu acabei me afastando, é extremamente conservador. Não são eles que produzem as novas idéias. Muitos fingem que eu não existo. Diziam à pequena que eu era um cara muito pragmático, que levava em conta muito os resultados, o que é verdade. Os que mais gostam do que eu faço não são da minha área. São os filósofos, como o Renato Janine Ribeiro e a Olgária Matos. De minha parte, eu sempre fugi dos rótulos. Não me inscrevi membro da Sociedade de Psicanálise. Não sou membro de qualquer sociedade dogmática. Não sou sócio de nenhum clube. Sou uma pessoa de mente aberta. Nunca quis discípulos. Os meus discípulos, se um dia existirem, pensarão por conta própria. Se tiverem um monte de opiniões diferentes das minhas, seria ótimo.

27.5.12

Você sofre de mau humor? Saiba o que é distimia


Foram anos de mau humor. Constantemente irritada, a jornalista Cristina David, de 47 anos, perdeu três empregos e conquistou poucos amigos ao longo da vida. Transformava problemas comuns da rotina diária em tempestades. “Com 14 anos comecei a sentir muita irritação, mas quando fiz 18 anos a situação piorou. Comecei a reclamar de tudo, me irritava quando levantava para trabalhar. Se eu perdesse uma vaga para estacionar o carro já ficava mal o dia inteiro”. 



O caso de Cristina não é um simples comportamento, uma “personalidade forte” como diriam alguns. A jornalista é portadora de Distimia, uma depressão crônica e moderada, cujos sintomas são contínuos por mais de dois anos. Assim como no caso dela, o alívio das manifestações de mau humor só é possível com uma combinação de medicamentos com psicoterapia.

“Com o tratamento a gente muda completamente, o remédio ajuda muito. Antes era difícil, eu não entendia o que acontecia, achava que eu era daquele jeito e pronto”. 

A médica psiquiatra Ana Hounie, do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas (HC) de São Paulo, explica que a Distimia é um quadro depressivo mais suave. “Em estudos, foram dados antidepressivos para essas pessoas. Uma boa parte delas melhorou, demonstrando que era doença e não algo da personalidade, já que a personalidade é imutável” 

Segundo a médica, pessoas com a doença tem um humor flutuante, mas dificilmente conseguem ficar mais de um mês de bem com a vida. São insatisfeitas, negativas e muito críticas. Manter relacionamentos torna-se complicado. “Em geral são pessoas mais ácidas, sarcásticas e irritadas. E possuem alguns sintomas da linha depressiva: comem demais ou têm falta de apetite, têm insônia ou sonolência excessiva”, diz a psiquiatra.

O distímico só enxerga o lado negativo do mundo e dificilmente sente prazer em algo. Não basta a solução de um problema, ele continua remoendo o fato. Imagine uma pessoa que ganha na loteria, mas pensa que pode ser assaltada ou sequestrada.

Todas as idades

A Distimia, reconhecida pela medicina nos anos 80, pode começar ainda na infância, afetar adultos e idosos. A prevalência é maior entre as mulheres. Existe uma tendência genética: na família do paciente, normalmente, outras pessoas têm depressão e transtornos de humor. 

Como acontece na depressão profunda, existe um desequilíbrio químico nos neurotransmissores em regiões do cérebro que comandam o humor, como o sistema límbico, o hipotálamo e o lobo frontal.

A estimativa é de que quase 200 milhões de pessoas no mundo tenham Distimia. Aproximadamente 30% delas tem risco maior de sofrer quadros depressivos mais graves.

Ana Hounie ressalta que nem todas as pessoas mal-humoradas são doentes. Outros motivos precisam ser levados em conta, como o convívio em um ambiente conturbado. “No caso da Distimia, o mal humor tem que ser crônico e sem motivo, sem justificativa. É uma pessoa que tem dinheiro, relacionamento, tudo o que precisa, e mesmo assim está sempre irritada”.

Para a especialista, quem tem os sintomas deve procurar ajuda médica. “Muitos acham que é o jeito de ser, que é assim e pronto. Mas é doença, e se pode melhorar com remédio, vale a pena tratar”.

Sintomas

- Irritabilidade
- Mau humor
- Baixa auto-estima
- Desânimo e tristeza
- Predominância de pensamentos negativos
- Alterações do apetite e do sono
- Falta de energia para agir
- Isolamento social

26.5.12

TUBERCULOSE



O que é?

Doença infecto-contagiosa causada por uma bactéria que afeta principalmente os pulmões, mas, também pode ocorrer em outros órgãos do corpo, como ossos, rins e meninges (membranas que envolvem o cérebro).

Qual a causa?

Mycobacterium tuberculosis ou Bacilo de Koch (BK). Outras espécies de micobactérias também podem causar a tuberculose. São elas: Mycobacterium bovis, africanum e microti.

Quais os sintomas?


Alguns pacientes não exibem nenhum indício da doença, outros apresentam sintomas aparentemente simples que são ignorados durante alguns anos (meses). Contudo, na maioria dos infectados, os sinais e sintomas mais freqüentemente descritos são tosse seca contínua no início, depois com presença de secreção por mais de quatro semanas, transformando-se, na maioria das vezes, em uma tosse com pus ou sangue; cansaço excessivo; febre baixa geralmente à tarde; sudorese noturna; falta de apetite; palidez; emagrecimento acentuado; rouquidão; fraqueza; e prostração. Os casos graves apresentam dificuldade na respiração; eliminação de grande quantidade de sangue, colapso do pulmão e acumulo de pus na pleura (membrana que reveste o pulmão) - se houver comprometimento dessa membrana, pode ocorrer dor torácica.
Como se transmite?

A transmissão é direta, de pessoa a pessoa. O doente expele, ao falar, espirrar ou tossir, pequenas gotas de saliva que contêm o agente infeccioso e podem ser aspiradas por outro indivíduo contaminando-o. Somente 5% a 10% dos infectados pelo Bacilo de Koch adquirem a doença. Pessoas com Aids, diabetes, insuficiência renal crônica (IRA), desnutridas, idosos doentes, alcoólatras, viciados em drogas e fumantes são mais propensos a contrair a tuberculose.
As gotículas mais pesadas caem no solo. As mais leves podem ficar suspensas no ar por diversas horas. Somente os núcleos secos das gotículas (Núcleo de Wells), com diâmetro de até 5µ e com 1 a 2 bacilos em suspensão, podem atingir os bronquíolos e alvéolos e aí iniciar a multiplicação.

Período de Incubação


Em média, de 4 a 12 semanas até a descoberta das primeiras lesões. Grande parte dos novos casos de doença pulmonar ocorre por volta de 12 meses após a infecção inicial.

Período de Transmissibilidade

É plena enquanto o doente estiver eliminando bacilos e não tiver iniciado o tratamento. Com o uso do esquema terapêutico recomendado, há uma redução na transmissão, gradativamente, a níveis insignificantes, ao fim de poucos dias ou semanas. As crianças geralmente não são foco de infecção.

Diagnóstico Diferencial

Pneumonias, micoses pulmonares (paracoccidioidomicose, histoplasmose), sarcoidose e carcinoma brônquico, dentre outras enfermidades.

Diagnóstico Laboratorial

São utilizados os seguintes métodos: bacterioscópico (baciloscopia e cultura), radiológico, prova tuberculínica, anátomo-patológico (histológico e citológico), sorológico (a sorologia para TB não apresenta a acurácia necessária, não sendo, ainda, método aceito universalmente) , bioquímico e de biologia molecular.

Como tratar?
A tuberculose é uma doença curável em praticamente 100% dos casos novos, sensíveis aos medicamentos anti-TB, desde que obedecidos os princípios básicos da terapia medicamentosa e a adequada operacionalização do tratamento.
A associação medicamentosa adequada, as doses corretas e o uso por tempo suficiente são os princípios básicos para o adequado tratamento evitando a persistência bacteriana e o desenvolvimento de resistência aos fármacos, assegurando, assim, a cura do paciente. A esses princípios soma-se o Tratamento Diretamente Observado (TDO) como estratégia fundamental para o sucesso do mesmo.

O tratamento deve ser feito por um período mínimo de seis meses, sem interrupção, diariamente. São utilizados quatro fármacos para o tratamento dos casos que utilizam o esquema básico: rifampicina (R), isoniazida (H), pirazinamida (Z) e etambutol (E). Quase todos os pacientes que seguem o tratamento corretamente são curados.

Como se prevenir?


Para prevenir a doença é necessário imunizar as crianças de até 4 anos, obrigatoriamente as menores de 1 ano, com a vacina BCG. Crianças soropositivas ou recém-nascidas que apresentam sinais ou sintomas de Aids não devem receber a vacina. A prevenção inclui evitar aglomerações, especialmente em ambientes fechados, mal ventilados e sem iluminação solar. A tuberculose não se transmite por fômites e pelo uso de objetos compartilhados. Cuidado para não agravar os estigmas.
TUBERCULOSE » Histórico

Segundo algumas evidências, a tuberculose existe desde os tempos pré-históricos. Foram encontrados esqueletos de múmias do antigo Egito (3000 a.C.) e, mais recentemente, uma múmia pré-colombiana no Peru com sinais da doença. Várias tentativas de tratamento foram feitas, desde a ingestão de preparados exóticos até a utilização de sangrias e a indução de vômitos. Alguns pacientes eram proibidos até mesmo de falar ou rir e ficavam deitados sem poder se movimentar. O mais comum deles se tornou a mudança de clima: os pacientes se deslocavam para regiões litorâneas ou montanhosas para se tratar e aqueles que não tinham forças para a viagem passavam a dormir com travesseiros de folhas de pinheiro ou colocar algas marinhas debaixo da cama.

No final do Século 19, pacientes abastados recebiam cuidados em sanatórios que eram como pousadas nas montanhas. Ao longo do tempo, esses lugares passaram a ser usados para isolamento dos doentes, tornando-se centros de tratamento para pessoas de qualquer classe social. A maior dificuldade encontrada pelos médicos era firmar o diagnóstico da doença antes que ela provocasse a falha dos pulmões e dos ossos. Esse diagnóstico só foi possível a partir de 1824, após a invenção do estetoscópio. Em 1882, o famoso bacteriologista alemão Robert Koch identificou o agente causador da enfermidade, a bactéria Mycobacterium tuberculosis, também chamada de Bacilo de Koch em homenagem ao seu descobridor. A invenção do raio X, no final do Século 19, permitiu a produção (visualização) das imagens das partes internas do corpo, facilitando o diagnóstico da tuberculose.

Em 1908, os cientistas Albert Calmette e Camille Guérin conseguiram isolar uma cepa do bacilo da tuberculose para produzir culturas vivas atenuadas a serem usadas como vacina. A cepa recebeu o nome de Bacilo Calmette-Guérin, de onde surgiu o nome "BCG". Foi aplicada pela primeira vez em crianças em 1921. Somente em 1944 foi inventado o primeiro antibiótico, a estreptomicina, produzida a partir da garganta de uma galinha. Entretanto, sem o apoio ao tratamento e o contato entre doentes, surgiram bactérias resistentes ao medicamento. Para contornar o problema, desenvolveu-se um coquetel com quatro antibióticos.

Características Clínicas e Epidemiológicas

No Brasil e em outros 21 países em desenvolvimento, a tuberculose é um importante problema de saúde pública. Nesses países encontram-se 82% dos casos mundiais da doença. Segundo estimativas, cerca de um terço da população mundial está infectada com o Mycobacterium tuberculosis, com o risco de desenvolver a enfermidade. Todos os anos são registrados por volta de 5,4 milhões de novos casos e quase 1,5 milhões de mortes. Pessoas idosas, minorias étnicas e imigrantes estrangeiros são os mais atingidos nos países desenvolvidos. Nos países em desenvolvimento, o predomínio é da população economicamente ativa (de 15 a 54 anos) e os homens adoecem duas vezes mais do que as mulheres. No Brasil, estima-se que mais de 64 milhões de pessoas estão infectadas pelo bacilo da tuberculose. Por ano são notificados aproximadamente 69 mil casos novos e de 4,6 mil mortes em decorrência da doença. Com o surgimento da Síndrome de Imunodeficiência Adquirida (SIDA/ AIDS), em 1981, observa-se, tanto em países desenvolvidos como nos países em desenvolvimento, um crescente número de casos notificados de tuberculose em pessoas infectadas pelo Vírus da Imunodeficiência Humana (HIV). A associação dessas duas enfermidades constitui um sério problema de saúde pública, podendo levar ao aumento da morbidade e mortalidade pela TB em muitos países.


Agente Etiológico
Mycobacterium tuberculosis ou Bacilo de Koch (BK). Mycobacterium tuberculosis, bovis, africanum e microti são espécies do bacilo. Outras espécies de micro bactérias podem produzir quadro clínico semelhante ao da tuberculose. E para efetuar o diagnóstico diferencial e identificar as micros bactérias é preciso realizar a cultura nos laboratórios de referência.

Reservatório
O homem é o principal reservatório. Entretanto, em algumas regiões, o gado bovino doente pode também servir de fonte de infecção. Raramente primatas, aves e outros mamíferos exercem papel de reservatório. De maneira geral, a fonte de infecção é o indivíduo com a forma pulmonar da doença, que elimina bacilos para o exterior. Estima-se que a pessoa que apresenta esse quadro pode infectar de 10 a 15 pessoas da sua comunidade num período de um ano.
Em 2009, o Programa Nacional de Controle da Tuberculose, juntamente com o seu Comitê Técnico Assessor reviu o sistema de tratamento da TB no Brasil. Baseado nos resultados preliminares do II Inquérito Nacional de Resistência aos medicamentos anti-TB, que mostrou aumento da resistência primária à isoniazida (de 4,4 para 6,0%), introduz o Etambutol como quarto fármaco na fase intensiva de tratamento (dois primeiros meses) do Esquema básico.

A apresentação farmacológica deste esquema passa a ser em comprimidos de doses fixas combinadas dos quatro medicamentos (Rifampicina, Isoniazida, Pirazinamipa e Etambutol), nas seguintes dosagens: R 150 mg, H 75 mg, Z 400 mg e E 275 mg. Essa recomendação e apresentação farmacológica são as preconizadas pela Organização Mundial da Saúde e utilizadas na maioria dos países, para adultos e adolescentes. Para as crianças (abaixo de 10 anos), permanece a recomendação do Esquema RHZ.
O esforço do Brasil para a diminuição dos números da tuberculose também foi reconhecido no Relatório Anual da Organização Mundial da Saúde (OMS) sobre a Tuberculose (Global Tuberculosis Control - WHO Report 2011) e na edição de março do Lancet, um dos jornais médicos mais respeitados da Inglaterra. O periódico destacou que o Brasil, onde a incidência da doença cai há 15 anos, possui um modelo de acesso universal à saúde.

Avanços
O número de casos registrados no último ano no país caiu 3,54%: foram registrados 71.790, em 2010, contra 69.245, em 2011. Pela primeira vez, os casos de tuberculose foram inferiores a 70 mil.
Em 2001, a taxa foi de 42,8 casos para 100 mil habitantes. Caiu, em 2011, para 36,0. Uma queda de 15,9 pontos percentuais na última década. Em relação à taxa de mortalidade, em 2011, foi de 3,1 óbitos para cada 100 mil habitantes. Contudo, caiu para 2,4 em 2010, uma queda de 23,4% ao longo dos últimos 10 anos.
Determinantes sociais– À medida que a tuberculose diminui na população em geral, em alguns segmentos a doença se distribui de forma mais concentrada. Os grupos populacionais mais vulneráveis são aqueles que vivem em condições desfavoráveis de moradia e alimentação, em conglomerados humanos, e entre pessoas com sistema imune deficiente e dificuldades de acesso aos serviços de saúde.
Entre as ações desenvolvidas pelo Ministério da Saúde no controle e combate à doença está à ampliação do orçamento em 14 vezes, desde 2002. Naquele ano, os recursos foram de US$ 5,2 milhões, aumentando para US$ 74 milhões em 2011. Destacam-se o esforço para ampliar as notificações dos casos de tuberculose na Atenção Básica, um alcance de 56,3%; o aumento 71,5% na oferta de tratamento diretamente observado; o aprofundamento da parceria entre o Ministério da Saúde e os setores; e o desenvolvimento de cursos de capacitação de profissionais da área de saúde.
PNCT– O programa privilegia a descentralização das medidas de controle para a Atenção Básica, ampliando o acesso da população em geral e das populações mais vulneráveis ou com o maior risco de contrair a tuberculose. O controle da doença é baseado na busca de casos; no diagnóstico precoce e adequado; e no tratamento até a cura, com o objetivo de interromper a cadeia de transmissão e evitar possíveis adoecimentos.

14.5.12

Aprenda cuidar da higiene íntima e evite odores indesejados


Produtos de higiene íntima até disfarçam odores da região genital e evitam infecções, mas não precisam ser usados todos os dias. Saiba por quê.



Por trás de uma atitude que aparentemente seria apenas uma questão de higiene, existe um incômodo feminino velado: a má relação com o próprio cheiro, ou melhor, com o odor natural da região genital. "A mulher não lida bem com o odor da vulva nem com a secreção normal", atesta a ginecologista Carolina Carvalho Ambrogini, coordenadora do Ambulatório da Sexualidade Feminina da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp).


Para a médica, isso está relacionado à falta de intimidade com o próprio corpo, o que é fruto de uma educação sexualmente repressiva. "É comum a mãe dizer à filha para não colocar a mão na genitália por ser 'suja' ou 'nojenta'", diz Carolina. Isso explica por que tantas mulheres usam os produtos de higiene íntima diariamente e de forma até exagerada. "Eles não são essenciais para uma boa higiene íntima", revela. Entenda os motivos.



O que é pH vaginal?

Trata-se do grau de acidez que mantém a flora vaginal em equilíbrio e impede a ação de bactérias. O pH ideal (medido em exames de laboratório) fica entre 3,5 e 4,5. Quando esse número é alterado (por vários motivos, como estresse ou uso contínuo de antibióticos), alguns micro-organismos se proliferam na região, causando infecções vaginais. Produtos de higiene íntima seguem o padrão vaginal (de 3,5 a 4,5) e mantêm a acidez necessária para evitar infecções, mas a higiene íntima não precisa necessariamente ser feita só com esses produtos. "Eles podem ajudar mulheres que vivem tendo infecções ginecológicas", diz Carolina. O sinal de alerta é quando surgem três infecções em seis meses. "Quem não convive com esse problema não precisa usar esses produtos todos os dias", completa a médica. "Recomendo usar, no máximo, duas vezes por semana. E, na falta deles, substitua por sabonete neutro ou infantil", conclui a ginecologista Carolina.

Qual a importância da limpeza?

Mais importante do que "qual produto usar" é "como higienizar" corretamente a vulva, que é diferente da vagina: a primeira é a parte externa e a segunda, a interna. A limpeza, explica a ginecologista, deve ser diária, sempre com água corrente e sabonete comum. "É importante passar os dedos entre os pequenos e grandes lábios para tirar a gordurinha branca produzida naturalmente", ensina. "Além disso, é proibido lavar internamente a vagina com ducha, porque isso vai desequilibrar o pH e facilitar infecções." Também não é necessário lavar a região após evacuar: mas a limpeza com papel higiênico deve ser sempre feita da frente para trás, a fim de evitar qualquer contaminação vaginal. Não é preciso também fazer uma limpeza especial após a relação sexual, orienta Carolina. "Basta lavar normalmente com água e sabonete."

Quando o odor é anormal?

Um corrimento deixa de ser uma secreção natural e vira infecção quando está amarelo, provoca coceira, ardência, dor e odor forte. "Fica igual ao cheiro de peixe podre", diz a ginecologista Carolina. Se não existe nenhuma dessas alterações, não há motivo para se preocupar. Para as mulheres que se sentem desconfortáveis com a secreção e odor característicos, a médica aconselha a levar na bolsa calcinha extra e limpa, e trocá-la durante o dia. "É muito melhor do que passar encinho íntimo toda hora, porque esse hábito pode retirar a proteção natural", ressalta a médica. "Mas a limpeza com lencinho uma vez ao dia é até aceitável". Só durante o período de menstruação esse produto é bem-vindo a qualquer momento.
Reportagem: Ciça Vallerio - Edição: MdeMulher