26.7.11

Como os ossos colam?


A resposta é simples: o osso fraturado se regenera por conta própria. É uma capacidade fantástica! O organismo produz algo parecido com uma cola que, naturalmente, junta as partes. É uma função que faz com que as fraturas se consertem, bastando um empurrãozinho para unir corretamente as partes e mantê-las assim até que a natureza aja. Em lesões mais complexas, porém, deixar o organismo trabalhar sozinho pode levar um longo período ou mesmo deixar sequelas. Por isso, os procedimentos médicos, nesses casos, passam não só por técnicas tradicionais bem antigas mas por novidades como as colas ósseas sintéticas.

Fraturas
Falar que o osso parece com uma esponja ajuda a entender seu funcionamento e também porque certas doenças acontecem. Sabe aquela esponja com mais furos? Ela representaria bem o osso de quem tem osteoporose. A doença leva ao enfraquecimento dos ossos, tornando-os vulneráveis a fraturas. É uma patologia assintomática, ou seja, sem sintomas, lenta e progressiva e esse caráter silencioso faz com que não seja diagnosticada até que ocorram as fraturas, principalmente nos ossos do punho, colo de úmero, quadril e coluna vertebral. Entre os principais indícios da osteoporose destacam-se a dor prolongada na coluna vertebral, associada à diminuição da altura do paciente, devido a microfraturas em vértebras, e o desevolvimento de cifose, ou seja, corcunda.

Fraturas são muito comuns em qualquer faixa etária, porém, na terceira idade elas se tornam mais frequentes, por causa das alterações na estrutura óssea. A fratura em idoso, no geral, leva mais tempo para cicatrizar. Em pessoas acima de 60 anos, aumenta incidência de cirurgia para reparo. Além dos idosos, obesos, alcóolatras, fumantes, desnutridos e portadores de doenças crônicas também têm maior dificuldade para cicatrização de ossos. As fraturas são ligeiramente mais comuns em crianças e adolescentes do que em jovens e adultos, devido ao nível de atividade que exercem. Nos mais novos, o processo de cicatrização leva cerca de seis semanas, dependendo do tipo de fratura e da extensão do dano. Em atletas, devido ao uso em excesso da estrutura óssea, ocorre um outro tipo de fratura: ocasionada por estresse. O tratamento requer repouso das atividades esportivas.

Em média, uma pessoa sustenta dois ou três ossos fraturados durante a vida. Estima-se que, nos Estados Unidos, cerca de nove milhões de pessoas se fraturam por ano. O número é estimado porque nem todos procuram serviços médicos para cuidar de ossos quebrados. Pessoas imobilizam braços e pernas em casa e esperam a ação do tempo, apesar de o recomendado ser sempre consultar um médico.

Quando a fratura é mais simples, é o organismo, sozinho, que cuida de quase tudo, por meio das células, as que mais trabalham. Felizmente, os ossos também são feitos de células vivas. O processo de reconstrução começa imediatamente após o ferimento. O organismo passa a enviar moléculas de cálcio pela corrente sanguínea. As células removem os tecidos danificados e pequenos vasos sanguíneos alcançam o hematoma formado em decorrência da fratura, facilitando a cura.

Com essa ajuda, o hematoma se transforma em um calo mole que depois, com o envio de fibras de colágeno produzidas pelas células, transforma-se em um calo mais duro, até chegar ao chamado calo ósseo, que finalmente preenche a fissura que se formou entre os ossos fraturados. Com o tempo, a circulação sanguínea do osso melhora, a resistência aumenta e o organismo conclui o seu trabalho de colagem natural do osso. Semanas depois, a fissura deixa de existir e o osso está restaurado. Durante alguns meses, ocorre a calcificação do osso e a consolidação.

O tempo para que cada pessoa obtenha a cura é variável e depende também do tipo de fratura. Para ajudar o organismo, especialmente em casos de fraturas mais complexas, a ciência se dedica com sucesso, há quase três décadas, à pesquisa de medicamentos que ajudem na cicatrização de ossos. As colas sintéticas estão entre as novidades que passaram a oferecer uma possibilidade a mais para ajudar a tratar o paciente.

A maioria das chamadas colas ósseas sintéticas representa na verdade indutores de consolidação, que são codjuvantes na fixação de ossos nos casos de fraturas, nas quais as técnicas convencionais de fixação rígida, com peças de metais, não apresentariam resultados 100% positivos. O ortopedista avalia o quanto a técnica utilizada permitirá que o paciente, curado da fratura, recupere a funcionalidade da parte do corpo afetada, sem perder a capacidade de movimento. Colas, em relação a pinos, placas e fios de metal, vêm apresentando resultados satisfatórios na reconstrução de ossos em determinados casos de fissuras.

Na literatura médica há registros, desde o início da década de 1980, de adesivos à base da proteína cianoacrilato, completamente biodegradáveis e que permitem a regeneração de fraturas com mínima reação inflamatória no tecido. Pesquisas norteiam-se na busca por polímeros proteicos e não-proteios biodegradáveis e biocompatíveis cada vez mais eficazes. Medicamentos que incentivem a produção natural, pelo organismo, de moléculas de cálcio na região afetada. Há também uma tendência a produtos apresentados em gel que podem ser injetados e endurecem no local da fissura, eliminando-a, e a produtos adequados tanto para uso em ortopedia quanto em ortodontia, para reparo de tecidos e cartilagens. 

Produtos injetáveis no foco da fratura podem ser uma alternativa aos que são aplicados cirurgicamente. Novas tecnologias estão sendo desenvolvidas para a restituição de ossos danificados que, com os tratamentos tradicionais, poderiam não se recuperar totalmente. A ciência ainda poderá avançar mais para ajudar em casos de falha óssea ou quando a recomendação é de um enxerto que, atualmente pode ser feito a partir de material do paciente ou sintético, por meio de cirurgia. A aplicação estimula o organismo a preencher as lacunas deixadas pela lesão. A técnica de fixação externa com transporte ósseo pode ser muito eficaz no tratamento de defeitos extensos e utiliza o osso do próprio paciente.

Mesmo com as novidades para a cicatrização de ossos, quase sempre é recomendada a imobilização e indicada a colocação de gesso, cinta, tala ou faixa para manter alinhadas as partes do osso quebrado. O ortopedista analisa qual será o melhor tratamento dentro das possibilidades. O incômodo dos aparelhos para imobilização, principalmente do gesso e estruturas metálicas externas, é um fato. Não há paciente que não se queixe diante da recomendação médica de não movimentar, mas a imobilização é uma técnica milenar, de eficácia comprovada para a restauração do osso.

Não imobilizar ou não manter as partes quebradas no alinhamento natural pode trazer consequências indesejáveis. Às vezes, mesmo sem movimento, músculos podem provocar o desalinhamento, entortando a soldagem. Estes movimentos podem retardar a consolidação do osso ou levar o paciente a ter uma pseudo artrose, quando o processo excede seis meses. Quando isso acontece, recorre-se a uma outra variedade de procedimentos médicos.

A solução cirúrgica, com pinos, fios ou placas de metal, é recomendada em alguns casos. Fraturas com ossos encavalados ou muito deslocados precisam de tração, feita com cordas, roldanas e pesos, para puxar os músculos e voltar as partes para o lugar correto. Aparelho de eletroestimulação é usado para auxiliar a reparação de alguns casos.
O osso sangra?
Para entender como funciona o osso, não se pode pensar que ele seja um material maciço e totalmente compacto. O osso é como uma esponja, cheio de canais e poros por onde passa o sangue. Se fosse possível ver a olho nu uma fratura interna, muitos ficariam impressionados. É um machucado que sangra muito. Acontece que no osso há artérias e vasos. Numa fratura, os vasos de dentro do osso se rompem. Quem já viu uma fratura exposta sabe a quantidade de líquido que sai.

A hemorragia precisa ser estancada dentro e fora do corpo. Em caso de fratura de fêmur, por exemplo, pode vazar até 2,5 litros de sangue. Na região de uma fratura é frequente o aparecimento de coágulo (espécie de bolsa de sangue), formada pelo sangue parado que vazou do ferimento.
As fraturas são comumente diagnosticadas com base no histórico de trauma e a presença de dor. O raio X é utilizado para confirmar ou precisar a lesão. Procedimentos médicos e tratamento correto pelo tempo exato estipulado evitam que a pessoa comprometa a mobilidade. Seria muito bom e fácil se houvesse um feitiço para emendar osso quebrado, não é? Mas acredito que o “brackium emendo” só funcionaria mesmo se fosse feito pela madame Pomfrey, a responsável pela enfermaria do Hogwarts, o colégio para bruxos dos filmes de Harry Potter.

Fabio Ravaglia
Médico ortopedista e presidente, desde 2005, do Instituto Ortopedia & Saúde (IOS) – organização não governamental que tem a missão de difundir informações sobre saúde e prevenção a doenças, principalmente aquelas associadas à terceira idade, e que organiza o Projeto Cidadania – Caminhadas com Segurança, evento mensal que incentiva a atividade física e conta com uma feira de saúde aberta à população para a realização de exames gratuitos. O dr. Fabio Ravaglia é membro do corpo clínico externo dos hospitais Albert Einstein, Oswaldo Cruz, Sírio Libanês e Santa Catarina; membro emérito da Academia de Medicina de São Paulo (cadeira 118, patrono Ernesto de Souza Campos) membro titular da Sociedade Brasileira de Ortopedia e Traumatologia – Sbot; e diretor-presidente da Arthros Clínica Ortopédica.
O dr. Fabio Ravaglia é graduado pela Escola Paulista de Medicina (Unifesp) com residência médica no Hospital do Servidor Público Estadual, especialização em coluna vertebral pelo Instituto Arnaldo Vieira de Carvalho (Santa Casa de Misericórdia de São Paulo) e mestre em cirurgia pela Faculdade de Ciências Médicas da Unicamp. Foi o primeiro brasileiro aceito pelo programa do Royal College of Surgeons of England. Atuou como cirurgião ortopédico em hospitais ligados à Universidade de Bristol e fez especialização em cirurgia na Alemanha.