26.7.11

Como os ossos colam?


A resposta é simples: o osso fraturado se regenera por conta própria. É uma capacidade fantástica! O organismo produz algo parecido com uma cola que, naturalmente, junta as partes. É uma função que faz com que as fraturas se consertem, bastando um empurrãozinho para unir corretamente as partes e mantê-las assim até que a natureza aja. Em lesões mais complexas, porém, deixar o organismo trabalhar sozinho pode levar um longo período ou mesmo deixar sequelas. Por isso, os procedimentos médicos, nesses casos, passam não só por técnicas tradicionais bem antigas mas por novidades como as colas ósseas sintéticas.

Fraturas
Falar que o osso parece com uma esponja ajuda a entender seu funcionamento e também porque certas doenças acontecem. Sabe aquela esponja com mais furos? Ela representaria bem o osso de quem tem osteoporose. A doença leva ao enfraquecimento dos ossos, tornando-os vulneráveis a fraturas. É uma patologia assintomática, ou seja, sem sintomas, lenta e progressiva e esse caráter silencioso faz com que não seja diagnosticada até que ocorram as fraturas, principalmente nos ossos do punho, colo de úmero, quadril e coluna vertebral. Entre os principais indícios da osteoporose destacam-se a dor prolongada na coluna vertebral, associada à diminuição da altura do paciente, devido a microfraturas em vértebras, e o desevolvimento de cifose, ou seja, corcunda.

Fraturas são muito comuns em qualquer faixa etária, porém, na terceira idade elas se tornam mais frequentes, por causa das alterações na estrutura óssea. A fratura em idoso, no geral, leva mais tempo para cicatrizar. Em pessoas acima de 60 anos, aumenta incidência de cirurgia para reparo. Além dos idosos, obesos, alcóolatras, fumantes, desnutridos e portadores de doenças crônicas também têm maior dificuldade para cicatrização de ossos. As fraturas são ligeiramente mais comuns em crianças e adolescentes do que em jovens e adultos, devido ao nível de atividade que exercem. Nos mais novos, o processo de cicatrização leva cerca de seis semanas, dependendo do tipo de fratura e da extensão do dano. Em atletas, devido ao uso em excesso da estrutura óssea, ocorre um outro tipo de fratura: ocasionada por estresse. O tratamento requer repouso das atividades esportivas.

Em média, uma pessoa sustenta dois ou três ossos fraturados durante a vida. Estima-se que, nos Estados Unidos, cerca de nove milhões de pessoas se fraturam por ano. O número é estimado porque nem todos procuram serviços médicos para cuidar de ossos quebrados. Pessoas imobilizam braços e pernas em casa e esperam a ação do tempo, apesar de o recomendado ser sempre consultar um médico.

Quando a fratura é mais simples, é o organismo, sozinho, que cuida de quase tudo, por meio das células, as que mais trabalham. Felizmente, os ossos também são feitos de células vivas. O processo de reconstrução começa imediatamente após o ferimento. O organismo passa a enviar moléculas de cálcio pela corrente sanguínea. As células removem os tecidos danificados e pequenos vasos sanguíneos alcançam o hematoma formado em decorrência da fratura, facilitando a cura.

Com essa ajuda, o hematoma se transforma em um calo mole que depois, com o envio de fibras de colágeno produzidas pelas células, transforma-se em um calo mais duro, até chegar ao chamado calo ósseo, que finalmente preenche a fissura que se formou entre os ossos fraturados. Com o tempo, a circulação sanguínea do osso melhora, a resistência aumenta e o organismo conclui o seu trabalho de colagem natural do osso. Semanas depois, a fissura deixa de existir e o osso está restaurado. Durante alguns meses, ocorre a calcificação do osso e a consolidação.

O tempo para que cada pessoa obtenha a cura é variável e depende também do tipo de fratura. Para ajudar o organismo, especialmente em casos de fraturas mais complexas, a ciência se dedica com sucesso, há quase três décadas, à pesquisa de medicamentos que ajudem na cicatrização de ossos. As colas sintéticas estão entre as novidades que passaram a oferecer uma possibilidade a mais para ajudar a tratar o paciente.

A maioria das chamadas colas ósseas sintéticas representa na verdade indutores de consolidação, que são codjuvantes na fixação de ossos nos casos de fraturas, nas quais as técnicas convencionais de fixação rígida, com peças de metais, não apresentariam resultados 100% positivos. O ortopedista avalia o quanto a técnica utilizada permitirá que o paciente, curado da fratura, recupere a funcionalidade da parte do corpo afetada, sem perder a capacidade de movimento. Colas, em relação a pinos, placas e fios de metal, vêm apresentando resultados satisfatórios na reconstrução de ossos em determinados casos de fissuras.

Na literatura médica há registros, desde o início da década de 1980, de adesivos à base da proteína cianoacrilato, completamente biodegradáveis e que permitem a regeneração de fraturas com mínima reação inflamatória no tecido. Pesquisas norteiam-se na busca por polímeros proteicos e não-proteios biodegradáveis e biocompatíveis cada vez mais eficazes. Medicamentos que incentivem a produção natural, pelo organismo, de moléculas de cálcio na região afetada. Há também uma tendência a produtos apresentados em gel que podem ser injetados e endurecem no local da fissura, eliminando-a, e a produtos adequados tanto para uso em ortopedia quanto em ortodontia, para reparo de tecidos e cartilagens. 

Produtos injetáveis no foco da fratura podem ser uma alternativa aos que são aplicados cirurgicamente. Novas tecnologias estão sendo desenvolvidas para a restituição de ossos danificados que, com os tratamentos tradicionais, poderiam não se recuperar totalmente. A ciência ainda poderá avançar mais para ajudar em casos de falha óssea ou quando a recomendação é de um enxerto que, atualmente pode ser feito a partir de material do paciente ou sintético, por meio de cirurgia. A aplicação estimula o organismo a preencher as lacunas deixadas pela lesão. A técnica de fixação externa com transporte ósseo pode ser muito eficaz no tratamento de defeitos extensos e utiliza o osso do próprio paciente.

Mesmo com as novidades para a cicatrização de ossos, quase sempre é recomendada a imobilização e indicada a colocação de gesso, cinta, tala ou faixa para manter alinhadas as partes do osso quebrado. O ortopedista analisa qual será o melhor tratamento dentro das possibilidades. O incômodo dos aparelhos para imobilização, principalmente do gesso e estruturas metálicas externas, é um fato. Não há paciente que não se queixe diante da recomendação médica de não movimentar, mas a imobilização é uma técnica milenar, de eficácia comprovada para a restauração do osso.

Não imobilizar ou não manter as partes quebradas no alinhamento natural pode trazer consequências indesejáveis. Às vezes, mesmo sem movimento, músculos podem provocar o desalinhamento, entortando a soldagem. Estes movimentos podem retardar a consolidação do osso ou levar o paciente a ter uma pseudo artrose, quando o processo excede seis meses. Quando isso acontece, recorre-se a uma outra variedade de procedimentos médicos.

A solução cirúrgica, com pinos, fios ou placas de metal, é recomendada em alguns casos. Fraturas com ossos encavalados ou muito deslocados precisam de tração, feita com cordas, roldanas e pesos, para puxar os músculos e voltar as partes para o lugar correto. Aparelho de eletroestimulação é usado para auxiliar a reparação de alguns casos.
O osso sangra?
Para entender como funciona o osso, não se pode pensar que ele seja um material maciço e totalmente compacto. O osso é como uma esponja, cheio de canais e poros por onde passa o sangue. Se fosse possível ver a olho nu uma fratura interna, muitos ficariam impressionados. É um machucado que sangra muito. Acontece que no osso há artérias e vasos. Numa fratura, os vasos de dentro do osso se rompem. Quem já viu uma fratura exposta sabe a quantidade de líquido que sai.

A hemorragia precisa ser estancada dentro e fora do corpo. Em caso de fratura de fêmur, por exemplo, pode vazar até 2,5 litros de sangue. Na região de uma fratura é frequente o aparecimento de coágulo (espécie de bolsa de sangue), formada pelo sangue parado que vazou do ferimento.
As fraturas são comumente diagnosticadas com base no histórico de trauma e a presença de dor. O raio X é utilizado para confirmar ou precisar a lesão. Procedimentos médicos e tratamento correto pelo tempo exato estipulado evitam que a pessoa comprometa a mobilidade. Seria muito bom e fácil se houvesse um feitiço para emendar osso quebrado, não é? Mas acredito que o “brackium emendo” só funcionaria mesmo se fosse feito pela madame Pomfrey, a responsável pela enfermaria do Hogwarts, o colégio para bruxos dos filmes de Harry Potter.

Fabio Ravaglia
Médico ortopedista e presidente, desde 2005, do Instituto Ortopedia & Saúde (IOS) – organização não governamental que tem a missão de difundir informações sobre saúde e prevenção a doenças, principalmente aquelas associadas à terceira idade, e que organiza o Projeto Cidadania – Caminhadas com Segurança, evento mensal que incentiva a atividade física e conta com uma feira de saúde aberta à população para a realização de exames gratuitos. O dr. Fabio Ravaglia é membro do corpo clínico externo dos hospitais Albert Einstein, Oswaldo Cruz, Sírio Libanês e Santa Catarina; membro emérito da Academia de Medicina de São Paulo (cadeira 118, patrono Ernesto de Souza Campos) membro titular da Sociedade Brasileira de Ortopedia e Traumatologia – Sbot; e diretor-presidente da Arthros Clínica Ortopédica.
O dr. Fabio Ravaglia é graduado pela Escola Paulista de Medicina (Unifesp) com residência médica no Hospital do Servidor Público Estadual, especialização em coluna vertebral pelo Instituto Arnaldo Vieira de Carvalho (Santa Casa de Misericórdia de São Paulo) e mestre em cirurgia pela Faculdade de Ciências Médicas da Unicamp. Foi o primeiro brasileiro aceito pelo programa do Royal College of Surgeons of England. Atuou como cirurgião ortopédico em hospitais ligados à Universidade de Bristol e fez especialização em cirurgia na Alemanha.



12.7.11

Especialistas explicam como joelhos funcionam e como evitar lesão e dor


Bem Estar desta sexta (15) convidou o ortopedista Gilberto Camanho. Preparador José Rubens D'Elia ensinou exercícios para fortalecer a região.

Do G1, em São Paulo

Ao correr, engordar ou exagerar na carga ou no impacto sobre os joelhos, a maior articulação do corpo humano costuma sentir as consequências.
Para explicar como ela funciona e dar dicas na tentativa de evitar lesões ou dores, o Bem Estar desta sexta-feira (15) convidou o ortopedista Gilberto Camanho e o preparador físico e consultor José Rubens D'Elia, que ensinou exercícios para fortalecer essa região.
Quem trabalha no trânsito ou muito tempo sentado deve ter cuidados especiais. No estúdio, o médico explicou o que acontece quando a cartilagem e ossos como a patela sofrem um desgaste. Camanho disse que as cartilagens são a estrutura mais perfeita de absorção de impacto que existe na natureza. Elas têm o poder de se revitalizar - o que não ocorre com os meniscos, por exemplo -, e isso é algo que diminui com a idade.
Joelhos (Foto: Arte/G1)
É importante treinar o equilíbrio para prevenir lesões, principalmente em idosos, que também são mais suscetíveis à artrite, doença que leva à destruição das articulações e tem influência genética. Entre jovens, os problemas mais comuns são tendinites, bursites e síndrome patelofemoral. Desvios, joelho para dentro (em y) e para fora (cowboy) também ocorrem com frequência.
Nas ruas, a repórter Marina Araújo fez um “raio X” do joelho das pessoas e viu que o salto alto demais pode ser ruim, pois altera o centro de gravidade do corpo, jogando-o para a frente, e obriga a mulher a colocar o joelho para dentro, o que pode comprometer a articulação. Mas, da mesma forma, chinelos e sapatos planos podem ser prejudiciais, porque recebem todo o impacto do solo e predispõem a cartilagem ao desgaste.
Por isso, o tênis é o calçado mais indicado pelos especialistas. Saltos mais baixos ou do tipo anabela também são opções para o público feminino.
O diagnóstico de lesões é feito pelo histórico do paciente, por exames físicos e testes como agachar e levantar. Exercícios de reabilitação normalmente envolvem bolas, aparelhos de ginástica e outras atividades.
O programa desta sexta mostrou, ainda, uma experiência inédita feita com ratos pela Universidade de São Paulo (USP). Os testes trazem evidências de que, nos animais, o exercício físico melhora a capacidade respiratória em 39%.

4.7.11

A superação da dor


Um dos instrumentos mais importantes de defesa do organismo. Assim pode ser resumida a dor. Se quebrarmos o braço, sentimos dor, e assim sabemos que não devemos usá-lo para não piorar a fratura. Se encostarmos em uma superfície quente, a variação de temperatura nos faz tirar a mão, evitando que o calor destrua a derme. Se há infecção em algum órgão, cólicas intensas avisam que algo errado acontece. Sem a dor, seria impossível manter a integridade de nosso corpo. Em alguns casos, porém, esse orquestrado sistema de defesa sai do eixo. Em vez de proteger, vira uma ameaça. Por mecanismos complexos, a dor, que deveria ser apenas um alerta, torna-se perene, constante. Transforma-se na chamada dor crônica – aquela que persiste por mais de três meses ou por um período superior ao calculado para a recuperação do paciente. Além de desafiador, o problema tem grande extensão. A Organização Mundial da Saúde calcula que, no mundo, a cada cinco pessoas, uma sofra com a dor permanente.

A urgência em dar alívio a essa população tem feito com que, no mundo todo, cientistas se entreguem à busca de uma melhor compreensão dos mecanismos que levam às sensações dolorosas e de novas formas de intervir nesse processo quando ele se torna prejudicial. Se por um lado ainda há muito o que ser descoberto, por outro, os avanços da ciência já são capazes de garantir a uma boa parcela desses pacientes a possibilidade de uma vida sem dor.

Marisa e Reinaldo estão sendo estudados. Eles não sentem dor
Pode parecer paradoxal, mas algumas das respostas têm sido dadas a partir de pesquisas com pessoas que simplesmente não sentem dor. Trabalho desse gênero está sendo realizado no Centro de Dor do Hospital das Clínicas de São Paulo (HC-SP). Entre os indivíduos estudados estão os irmãos Marisa Helena, 24 anos, e Reinaldo Martins, 30 anos. Os dois moram em Angatuba (SP). Suas histórias evidenciam a importância da dor para garantir uma vida segura. Mãe de duas meninas, Marisa precisou ser acordada durante seu segundo parto: o bebê já estava nascendo, e ela permanecia dormindo. Reinaldo teve de amputar a perna após uma grave inflamação no joelho. Ele não sentiu os tecidos infeccionarem. Até coisas banais, como comer, oferecem risco. Eles não percebem, por exemplo, quando põem um alimento muito quente na boca e só sabem que morderam a língua quando sai sangue. Sem o aviso da dor, os tecidos do corpo de Marisa e Reinaldo estão constantemente ameaçados. É preciso uma rotina de cuidados redobrados que inclui uma inspeção diária em busca de possíveis lesões. Quando a ameaça não está visível, o problema fica mais sério. No último mês, Marisa foi ao hospital após sentir febre por dias seguidos. Nada lhe doía. Os exames, porém, revelaram uma infecção urinária e um cálculo biliar. “Eu queria sentir dor, mesmo que fosse um pouquinho”, diz a agricultora.

A investigação com os dois irmãos rendeu informações importantes. Soube-se que eles são portadores de uma alteração genética que atinge os canais de sódio presentes nos nervos periféricos. Esses canais são espécies de fechaduras existentes na superfície das células (receptores) cuja função, nesse caso, é a de permitir a entrada do mineral dentro das estruturas. A mutação genética prejudica seu funcionamento. “E isso impede a transmissão dos estímulos dolorosos”, explica Daniel Campi, coordenador do centro de estudo do HC-SP.

A constatação confirma que um dos caminhos que devem ser investigados é exatamente esse, o dos receptores envolvidos no processamento da dor. Eles são diversos e, quando funcionam de modo descompassado, geram sofrimento. Até os anos 1990, era conhecido apenas o papel dos receptores de opioides – substâncias analgésicas. De lá para cá, a lista cresceu, com a inclusão dos canais de cálcio, por exemplo, e, também recentemente, dos receptores canabinoides. Assim como os opioides, eles têm efeito analgésico. Se há problemas nessas portas de entrada das células, pode-se ter maior sensibilidade à dor.
A descoberta dessa gama de receptores deu origem a uma nova forma de tratamento. Hoje, em casos de dor neuropática (originada no sistema nervoso), é possível usar anticonvulsivantes, como a gabapentina, que agem sobre os canais de cálcio. 

O problema é que essas medicações atuam sobre vários receptores celulares, não apenas sobre os relacionados à dor. Por isso, muitos pacientes sofrem efeitos colaterais como sonolência, fadiga e ganho de peso. Felizmente, há iniciativas para acabar com problemas desse tipo. Na University British Columbia, no Canadá, os cientistas trabalham na criação de uma droga que atue apenas sobre a fechadura desejável. Eles estão na última fase das pesquisas em humanos para testar uma terapia que bloqueia os canais de cálcio tipo N, um dos responsáveis por controlar como o estímulo doloroso chega ao cérebro. “Esperamos maior efetividade e menos efeitos indesejados”, disse à ISTOÉ Terrance Snutch, líder do estudo.

Pelo mesmo caminho segue o estudo de Marcus Vinícus Gomez, da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Minas Gerais. No caso brasileiro, a solução vem do reino animal: Gomez está trabalhando uma toxina purificada extraída de uma aranha (a Phoneutria nigriventer). Inspira-se em outra toxina hoje já transformada em medicamento, o ziconotide, produzido a partir de uma substância extraída de um caramujo marinho e considerado o maior avanço dos últimos 20 anos no tratamento da dor neuropática grave. “Em modelos animais, demonstramos que a toxina induz boa analgesia.” 

Quando comparado à morfina, o composto da aranha apresenta um bloqueio da dor mais eficiente, um tempo de ação seis vezes maior e a vantagem de, ao contrário da morfina, não criar tolerância – fenômeno pelo qual as doses do medicamento precisam ser constantemente aumentadas para garantir resultados.

O impacto da genética também tem ganhado destaque. Os estudos recentes demonstram que algumas pessoas não produzem as substâncias moderadoras da dor – espécies de analgésicos naturais fabricados pelo nosso organismo – em razão de problemas nos genes responsáveis por determinar sua fabricação. “A identificação desses genes possibilita a busca por terapias que atuem diretamente sobre eles”, diz Fabíola Minson, coordenadora da equipe de tratamento da dor do Hospital Albert Einstein, em São Paulo. Um exemplo é o gene PENK, responsável pela produção do composto analgésico encefalina. Na Universidade de Michigan (EUA), pesquisadores conduzem um trabalho em humanos cujo objetivo é restaurar o funcionamento correto do gene em indivíduos nos quais ele não atua como deveria.


Na verdade, o que os estudos demonstram de forma evidente é que as origens da dor crônica são complexas. “Não existe apenas uma causa nem um tratamento único e eficaz para todos os casos”, afirma Karine Leão Ferreira, diretora da Sociedade Brasileira para o Estudo da Dor. Nessa linha de raciocínio, um dos achados mais interessantes diz respeito ao peso das atitudes e dos sentimentos na maneira como sentimos a dor e reagimos a ela. Levar em conta esses componentes tem-se mostrado essencial para compreender por que alguns sofrem mais do que outros.

Estudos recentes lançam luz sobre essa área. O primeiro, feito no Hospital Universitário de Split, na Croácia, mostra como os exemplos interferem no modo como cada um reage à dor. Analisando 285 voluntários – entre pacientes de dor crônica, seus cônjuges e filhos adultos –, os pesquisadores observaram que a maneira pela qual os filhos respondem à dor é influenciada pela forma com que os pais reagem. Quanto mais eles supervalorizam o problema, mais dor o outro relata. Quanto menos importância dão ao caso, mais rápido o desconforto passa. “Isso confirma que o modelo de dor é biopsicossocial e que apenas termos biológicos ou médicos não a explicam”, disse à ISTOÉ Lívia Puljak, vice-reitora de pesquisa da universidade croata.
Na Universidade de Queensland, na Austrália, os cientistas demonstraram que o ser humano pode interpretar a dor como uma espécie de penitência. Os voluntários tinham de pôr a mão em um balde com gelo. Quando imaginavam situações em que se sentiam culpados, resistiam por mais tempo ao frio. Para os pesquisadores, quando as pessoas se sentem culpadas, são capazes de se submeter à dor como forma de provação. Isso, como mostrou o estudo, as faz sentir menos culpadas pelo erro cometido. “Aprendemos desde cedo que a dor pode ser usada para significar conceitos abstratos, como o de punição”, disse à ISTOÉ Brock Bastian, líder da pesquisa. 

Parte dessa conexão pode ser explicada pelo fato de que o processamento da dor e das emoções passa quase que pelos mesmos circuitos cerebrais. “Há evidências de que a dor causada por uma rejeição, por exemplo, ativa as mesmas áreas do cérebro que a dor física”, explica Bastian. Não é por outra razão que hoje a ciência aprofunda os estudos nesse campo e busca, nos sentimentos, uma terapia complementar contra o sofrimento. Na Universidade de Stanford (EUA), os pesquisadores apostam no poder do amor. De acordo com pesquisa da instituição, sentimentos apaixonados, fortes, trazem alívio, e em uma intensidade semelhante à proporcionada por analgésicos. “Quando a pessoa está nesse estado de paixão, há alterações que terão impacto na sua experiência de dor”, disse Sean Mackey, coordenador do trabalho.

Para realizar o experimento, os cientistas selecionaram 15 estudantes que se confessaram apaixonados e cujas relações não tinham mais do que nove meses de duração. Os voluntários foram submetidos a dois tipos de testes. No primeiro, olhavam para uma foto da pessoa amada enquanto recebiam um estímulo doloroso. No segundo, em vez da foto, eram estimulados a pensar em algo diferente, para se distrair enquanto sentiam dor. Nos dois, suas reações cerebrais eram acompanhadas por exames de imagem.

As duas estratégias aliviaram o desconforto. Mas, enquanto a distração acionou uma área do cérebro relacionada à cognição, o amor estimulou a atuação das regiões associadas à recompensa. “Parece que ele tem ação sobre áreas primitivas, ativando estruturas mais profundas que podem bloquear a dor em níveis similares aos produzidos pelos analgésicos opioides”, explicou à ISTOÉ Jarred Younger, um dos responsáveis pela pesquisa.

Um desafio que permanece a instigar os especialistas é a criação de formas mais eficazes de diagnóstico. Um estudo publicado no último mês, realizado por meio de uma parceria entre a Universidade de Stanford e o Hospital Mãe de Deus, de Porto Alegre, revelou bons resultados com a combinação de um equipamento já existente (o PET/CT, usado para o diagnóstico por imagem) com uma substância de contraste conhecida como fluoreto, capaz de sinalizar as áreas em que há inflamação ou alteração óssea. “O método permite enxergar exatamente por que dói e onde dói”, explica o radiologista Marcelo Abreu, do hospital gaúcho. 

Outra novidade, disponível no HC-SP, é o aparelho que localiza o nervo cuja comunicação com o cérebro está alterada, o que ajuda na intervenção terapêutica. 

Tratar a dor traz alívio e reduz a chance de sequelas difíceis de apagar. Quando crônica, ela pode causar a perda de neurônios nas regiões responsáveis por seu processamento, o que prejudica inclusive nossa forma de lidar com as emoções. “Essas mudanças predispõem o paciente a desenvolver deficiências cognitivas, ansiedade e depressão”, disse à ISTOÉ Laura Stone, da Universidade McGill, no Canadá. Mas um trabalho do qual a pesquisadora participou trouxe uma boa notícia: as alterações cerebrais desaparecem com o tratamento certo, mesmo que a dor tenha durado muito.“Tivemos voluntários que sofriam havia mais de 20 anos”, conta Laura. “E o cérebro se recuperou, apesar do longo tempo.” Para a especialista, essa descoberta traz uma importante mensagem a médicos e pacientes. “Nunca é tarde demais para tratar a dor.” 

REVISTA ISTO É DE 01/07/2011

2.7.11

Como a idade faz nosso cérebro florescer

A ciência conseguiu identificar a base neurológica da sabedoria. A partir da meia-idade as pessoas podem até esquecer nomes, mas tornam-se – acredite – mais inteligentes 

MARCELA BUSCATO. COM BRUNO SEGADILHA E TERESA PEROSA 
Revista Época - 02/07/2011 págs.3 à 5

A partir de um certo momento da vida, que, para a maioria de nós, começa depois do aniversário de 40 anos, a grande questão neurológica se resume a uma pergunta: aonde diabos foram parar todos os nomes que eu esqueço? No início, desaparece o nome de uma atriz famosa. Depois, some o nome dos filmes que ela fez. Mais adiante, você não consegue achar no mar de neurônios o nome do famoso marido dela, muito menos o do outro ator, manjadíssimo, com quem ela contracenou em seu trabalho mais célebre. A débâcle ocorre no almoço de domingo em que você se percebe, diante da cara divertida de seus filhos, tentando explicar: “Aquele filme, com aquela atriz australiana, casada com aquele outro ator...”. 

Essa, você já sabe – ou vai descobrir dentro de algumas décadas –, é a parte chata de um cérebro que bateu na meia-idade. Ela vem junto com muitas piadas e uma dose elevada de ansiedade em relação ao futuro. O que você não sabe, mas vai descobrir nas próximas páginas, é que existe outro lado, inteiramente positivo, das transformações cerebrais trazidas pelo tempo. “Conforme envelhecemos, o cérebro se reorganiza e passa a agir e pensar de maneira diferente. Essa reestruturação nos torna mais inteligentes, calmos e felizes”, diz a americana Barbara Strauch, autora deO melhor cérebro da sua vida. O livro, recém-lançado no Brasil pela editora Zahar, reúne argumentos que fazem a ideia de envelhecer – sobretudo do ponto de vista intelectual – bem menos assustadora do que costuma ser. 

Editora de saúde do jornal The New York Times, um dos mais influentes dos Estados Unidos, Barbara resolveu investigar o que estava acontecendo com seu cérebro. Aos 56 anos, estava cansada de passar pela vergonha de encontrar um conhecido, lembrar o que haviam comido na última vez em que jantaram juntos, mas não ter a mínima ideia de como se chamava o cidadão. Queria entender por que se pegava parada em frente a um armário sem saber o que tinha ido buscar. Barbara não entendia como o mesmo cérebro que lhe causava lapsos de memória tão evidentes decidira, nos últimos tempos, presenteá-la com habilidades de raciocínio igualmente surpreendentes. Ela sentia que, simplesmente, “sabia das coisas”, mas, ao mesmo tempo, se exasperava com a quantidade imensa de nomes e referências que pareciam estar sumindo na neblina da memória. Como pode ser? 

A capacidade de manter informações enraizadas em nossa mente não sofre dano algum com a passagem do tempo 
É provável que essa mesma pergunta já tenha passado pela cabeça de muitos que chegaram aos 40 anos rumo às fronteiras da meia-idade, um período cada vez mais dilatado em que podemos passar um tempo enorme de nossa existência. Com o aumento da expectativa de vida, a fase intermediária da vida, entre os 40 e os 68 anos, tornou-se uma espécie de apogeu. Nesses anos é possível aliar o vigor reminiscente da juventude à sabedoria da velhice que se insinua – desde que se saiba identificar, e abraçar, as mudanças que acometem o cérebro maduro. Ele já não é o mesmo que costumava ser. Mas as mudanças o transformaram num instrumento melhor. “Para o ignorante, a velhice é o inverno; para o sábio, é a estação de colheita”, diz o Talmude. 

A jornalista Marília Gabriela, considerada a melhor entrevistadora do país, é especialista nas delícias e nos suplícios de um cérebro de meia-idade: “Eu não sei se é a idade ou se é o excesso de informações, mas eu esqueço o que as pessoas me dizem”. Aos 63 anos, Gabi, como é mais conhecida, pode até se esquecer de detalhes de conversas, mas mantém o raciocínio afiado para encurralar políticos e celebridades nos três programas apresentados por ela semanalmente. “Hoje, sou capaz de fazer análises rápidas sobre aspectos que as pessoas nem precisam me explicar”, afirma. “Leio nas entrelinhas, pego pelo olhar.”

A nova ciência do envelhecimento, retratada por Barbara em seu livro, conseguiu decifrar o caráter das mudanças por trás dessas percepções aparentemente contraditórias. Os pesquisadores aproveitaram a popularização das técnicas de ressonância magnética – nos últimos 15 anos, o número de estudos aumentou dez vezes – para flagrar o cérebro em pleno funcionamento. Eles descobriram que, sim, há um desgaste natural das células nervosas como se pensava. Mas ele é localizado e circunscrito, assim como seus prejuízos à mente. 

Um estudo feito pela equipe do neurocientista americano John Morrison, da Escola de Medicina Monte Sinai, em Nova York, analisou o que acontece com alguns pequenos botões localizados no corpo dos neurônios. Eles ajudam a captar as informações. Os cientistas descobriram que apenas um tipo desses botões sofre com o envelhecimento. São os menores, envolvidos no processamento de novas informações – onde parei o carro, onde estão as chaves ou como chama a nova namorada do meu amigo? Quase 50% desses receptores perdem a atividade. Mas outro tipo, encarregado de lembrar de grandes acontecimentos e de informações enraizadas em nossa mente, como habilidades profissionais, não sofre dano algum. 

Se alguns neurônios podem ser danificados pelo tempo, há outros – até mesmo regiões inteiras do cérebro – que passam a funcionar melhor. “O raciocínio complexo, usado para analisar uma situação e encontrar soluções, é aprimorado”, diz o psiquiatra americano Gary Small, diretor do Centro de Envelhecimento da Universidade da Califórnia em Los Angeles. 

Aos 49 anos, o artista plástico Vik Muniz está no auge de sua carreira. O sucesso, claro, é consequência da carreira produtiva iniciada aos 20 anos. Mas as habilidades aprimoradas por seu cérebro ao longo dos anos também têm seu quinhão de influência sobre o sucesso recente. Em 2008, foi o primeiro brasileiro a organizar uma mostra no museu de arte moderna de Nova York, o MoMa. Em 2007, começou o projeto Fotografias do Lixo no Jardim Gramacho, uma comunidade de catadores de lixo no Rio de Janeiro. Muniz recriou os personagens que encontrou e produziu algumas de suas mais belas obras. O processo de trabalho foi filmado e virou o documentário Lixo extraordinário, que concorreu ao Oscar da categoria neste ano. “Agora, sou uma pessoa mais focada e objetiva. Vou diretamente aos assuntos, não tenho tempo a perder”, diz Muniz. “Em poucos minutos de conversa já sei, por exemplo, com quem conseguirei desenvolver uma relação mais íntima.” 

Um casal de pesquisadores comprovou o que Barbara, Gabi e Muniz sentem na prática. Os psicólogos americanos Warner Schaie e Sherry Willis, professores da Universidade de Washington, criaram em 1956 um projeto de pesquisa para acompanhar o desenvolvimento de 6 mil voluntários durante décadas. Esse tipo de estudo é o mais preciso que existe, uma vez que permite aos cientistas avaliar quanto uma pessoa amadureceu emocionalmente e quais habilidades cognitivas aprimorou. 

A cada sete anos, Warner e Sherry submetiam os voluntários a uma bateria de testes de inteligência. Eles tinham de responder a questões que mediam a habilidade verbal (encontrar sinônimos para uma palavra), a memória verbal (lembrar palavras lidas em uma lista), a orientação espacial (virar símbolos e objetos), a capacidade de resolver problemas (completar sequências lógicas) e a habilidade numérica (problemas de adição e subtração). 

Entre os 40 e os 60 anos, as habilidades verbal e de resolução de problemas melhoram muito 

A compilação de anos de estudo mostrou que os voluntários tiveram melhor desempenho em três habilidades – verbal, espacial e resolução de problemas – entre os 1940 anos e 1960 anos. Após esse período, havia um declínio nítido na pontuação dos voluntários. Mas cada pessoa apresentava um declínio maior em uma ou duas habilidades, nunca em todas as cinco. 

No auge da vida 
Pesquisadores acompanharam 6 mil voluntários por 50 anos. Descobriram que habilidades associadas à inteligência chegam ao ápice na meia-idade 

As transformações do cérebro que explicam a melhora das habilidades cognitivas durante a meia-idade estão entre as descobertas mais interessantes da ciência nos últimos tempos. Elas revelam as origens biológicas da sabedoria trazida pela maturidade. Os cientistas descobriram que a facilidade para raciocínios complexos pode ser explicada por mudanças físicas no cérebro. A camada de mielina, um tipo de gordura que reveste as células nervosas e faz com que as informações viagem mais rápido, aumenta progressivamente com o passar dos anos e atinge seu pico por volta dos 50 anos. “No começo da vida, os circuitos motores e os encarregados pela fala recebem a maior parte da mielina”, diz o neurologista George Bartzokis, pesquisador da Universidade da Califórnia, responsável pela descoberta. “À medida que envelhecemos, os circuitos que permitem analisar contextos e que nos fazem ficar mais espertos são os que recebem mais mielina.” 

Os pesquisadores também descobriram que, conforme envelhecemos, mudamos o padrão de ativação cerebral. Isso significa que acionamos áreas diferentes das usadas anteriormente para fazer as mesmas tarefas. A região frontal do cérebro, encarregada da racionalidade, passa a concentrar a maior parte das atividades. A área posterior da cabeça, onde estão algumas das estruturas ligadas a nossas respostas emocionais, é acionada com menos frequência. Outra mudança significativa: para realizar a mesma tarefa de adultos jovens (de até 30 anos), os mais velhos usam mais áreas do cérebro. Em vez de usar regiões de apenas uma metade do cérebro, passam a usar as duas. Os cientistas ainda não estão certos sobre o que essas mudanças representam. Há duas possibilidades. A primeira, menos agradável, é que o cérebro esteja ficando velho a ponto de não reconhecer mais as áreas encarregadas de cada atividade. A segunda hipótese é mais reconfortante: o cérebro pode, sim, estar ficando velho. Mas, ao redirecionar funções para áreas diferentes e para mais regiões, dá mostras de que é capaz de se adaptar e manter seu bom funcionamento. 

“Não sabemos qual das duas hipóteses é verdadeira”, diz a neurocientista Cheryl Grady, pesquisadora da Universidade de Toronto, no Canadá, e uma das primeiras a notar mudanças no padrão de ativação. “Provavelmente, as duas estão certas. Para algumas tarefas, o cérebro pode perder a precisão. Para outras, pode usar mecanismos compensatórios.” 

É irresistível pensar que, talvez, a superativação do cérebro, representada pelo uso simultâneo de várias áreas, possa estar por trás das melhoras de raciocínio relatadas por quem está na meia-idade – e comprovadas pelos pesquisadores. Os cientistas descobriram que um sistema muito especial do cérebro, formado por circuitos localizados em camadas profundas do órgão, está constantemente ativado nos adultos de meia-idade. O sistema, chamado de modo- padrão, é usado nos momentos de reflexão, quando pensamos sobre o que aconteceu recentemente, fazemos balanços e traçamos planos para nós mesmos. Os pesquisadores concluíram que os adultos simplesmente não conseguem desligar o modo-padrão, algo que os jovens fazem quando estão envolvidos em uma tarefa. Os adultos, mesmo quando estão concentrados, continuam o bate-papo interno com eles mesmos. 



“O modo-padrão do cérebro ainda é um completo mistério”, diz a neurocientista Patricia Reuter-Lorenz, pesquisadora da Universidade de Michigan. Estar em constante reflexão pode nos tornar distraídos, mas também pode ajudar a ter boas ideias. Isso explicaria por que adultos de meia-idade têm o raciocínio afiado, embora não lembrem onde puseram a carteira. 

O cérebro de meia-idade pode ganhar habilidades surpreendentes conforme envelhecemos, mas isso não acontece com todos. Os cientistas perceberam que só os adultos que sempre tiveram hábitos saudáveis e vida intelectual ativa apresentaram a superativação. Há indícios de que a prática frequente de exercícios físicos promove o nascimento de novos neurônios em uma região do cérebro associada à memória. E atividades que desafiam o cérebro, como aprender uma nova língua ou até mesmo exercícios de memória, evitam que áreas do cérebro “enferrugem”. É como se essas atividades criassem uma reserva de neurônios que pode ser usada pelo cérebro quando ele entra em declínio. “Se a pessoa conseguiu criar uma boa reserva, é provável que tenha mais mecanismos para suprir deficiências causadas pelo envelhecimento”, diz o neurologista Ivan Okamoto, pesquisador do Instituto da Memória da Universidade Federal de São Paulo. 

Adultos que têm hábitos saudáveis e mente ativa mostram cérebro de alto desempenho na meia-idade 
Há poucos anos, a meia-idade costumava ser considerada uma fase de crises, desencadeadas pela percepção dos primeiros lapsos de memória. Eles seriam sinal inequívoco da aproximação da velhice e, consequentemente, da morte. A percepção da brevidade da vida despertaria um conjunto de comportamentos chamado pelo psicólogo canadense Elliott Jaques de crise da meia-idade – sim, a famosa. Entre os sintomas descritos por Jaques no artigo de 1965 que deu origem ao termo estão “preocupação doentia com a saúde e a aparência”, “promiscuidade sexual” e “ausência de verdadeiro prazer em viver”. Esse tipo de comportamento pode ser facilmente encontrado entre pessoas de meia-idade, mas o conceito não tem base científica.

Jaques propôs sua teoria ao analisar casos de artistas que teriam mudado o estilo de suas obras após os 40 anos – um grupo pequeno e específico demais. Um dos estudos mais abrangentes a averiguar o nível de bem-estar nessa fase da vida mostrou que a maioria das pessoas se diz mais feliz do que antes. Segundo levantamento com 8 mil americanos da Fundação MacArthur, instituição privada de fomento à pesquisa nos Estados Unidos, apenas 5% dos entrevistados apresentavam reclamações. E, mesmo entre esses, a maioria já enfrentara problemas semelhantes em outras épocas – o que isentaria a culpa da meia-idade.

Aos 52 anos, o físico Marcelo Gleiser, professor do Dartmouth College, nos Estados Unidos, diz ter encontrado serenidade, e não angústia. “Quando você fica mais velho, torna-se mais calmo e seguro”, afirma. Ele diz ser capaz de escolher desafios com mais critério, para concentrar tempo e energia em problemas que possa resolver. “Conhecer os próprios limites dá paz de espírito.” Os estudos de neurociência sugerem que essa pacificação interior também está relacionada a alterações do cérebro. A equipe da psicóloga Mara Mather, da Universidade do Sul da Califórnia, mostrou imagens tristes e repulsivas a voluntários maduros e a jovens. Concluiu que nos mais velhos a área do cérebro responsável pelas emoções reagia menos às figuras negativas. Concluiu que era um sistema de proteção. O cérebro parecia escolher dar menos atenção ao lado ruim da vida. Há nisso mais inteligência e sabedoria do que um cérebro jovem talvez seja capaz de perceber.

Fontes: Schaie, K. W. & Zanjani, F. (2006). Intellectual development across adulthood, In c. Hoare (Ed.), Oxford handbook of adult development and learning. (pp. 99-122) New York: Oxford University Press