30.6.11

A doença invisível

Jornal do Brasil/Gláucio Soares* 

O médico Richard Besdine escreveu um pequeno artigo chamado Late-Life Depression: Coming Out of the Shadows no início do ano. A versão AOL do artigo começa perguntando se você pode resolver uma charada: o que é que afeta um em cada cinco americanos, aumenta o risco de morte e de incapacitação e duplica seus gastos com a saúde? 

Muitos pensam em câncer ou doenças do coração, mas a resposta é dupla: depressão e coração. Essas duas doenças têm muito em comum: 

• Muitas vezes não são notadas e, com menor freqüência são diagnosticadas; 

• Com menor freqüência ainda, são tratadas; 

• Essas deficiências na detecção e tratamento são ainda mais graves entre os idosos. 

O pior inimigo das pessoas com depressão é tanto cognitivo quanto atitudinal. A maioria dos brasileiros não sabe o que é depressão. Outra grande ameaça vem da “normalização”, de achar que é normal que idosos e/ou doentes estejam deprimidos. 

Esta incompreensão do que é depressão, do que é doença e do que são a Terceira e a Quarta idades permite muito sofrimento e muitas mortes, além do absolutamente inevitável. Os brasileiros poderiam sofrer e morrer menos. 

Não há dúvida de que alguns aspectos da velhice, como o aumento das doenças crônicas, a morte (com efeito cumulativo) de parentes e amigos, e o crescente número de atividades que não podem mais ser feitas levam muitos a achar que é normal que os “velhos” sejam deprimidos. 

Mas, olha a surpresa: pessoas mais jovens sofrem de depressão com maior freqüência e intensidade do que os idosos. E, acredite ou não, os idosos desenvolveram maneiras mais numerosas e eficientes de lidar com problemas que poderiam causar depressão. Um dado: a pobreza pode multiplicar a depressão tanto em idosos quanto na população jovem e adulta. 

O que provoca a depressão? Uma surpresa: pesquisadores na Washington University School of Medicine em St. Louis e no King's College em Londres chegaram à mesma conclusão: geneticamente, há uma combinação no DNA no cromossoma 3 associado com a depressão. 

Uma de cada cinco pessoas padece de depressão séria na vida. O que diferencia a que padece das outras quatro? A análise da família revelou um histórico de depressão em muitos dos que enfrentaram essa doença, mas em poucos dos que não a enfrentaram. Há uma região no DNA com noventa genes onde parece que essa predisposição se origina. 

Mas, cuidado: muitos com predisposição genética não se deprimem e alguns sem ela ficam deprimidos. Não são populações “determinadas” pela genética a ter ou a não ter a depressão. Esses dois artigos acabam de ser publicados no American Journal of Psychiatry. 

A “normalização” da depressão mata muita gente, não apenas através do suicídio, talvez a primeira causa que venha à cabeça de muita gente, não é a mais importante. Quem teve um ataque cardíaco e sofre com uma depressão tem um risco de morte quatro vezes maior do que os que também tiveram um ataque cardíaco, mas não sofrem (ou sofreram e já controlaram) de uma depressão. Quatro vezes, 400%, não é pouco. 

E há custos: no Brasil, os pobres que padecem de depressão raramente são tratados e sofrem e morrem como moscas. Nos Estados Unidos, onde uma proporção mais elevada recebe tratamento, o custo da depressão anda beirando os cem bilhões de dólares por ano – bilhões mesmo, não milhões. O equivalente à soma do PIB da Bolívia, do Equador e do Paraguai!!! 

É melhor começar a enxergar. 

* Cientista político (Iesp/Uerj)

16.6.11

Passos incertos

REVISTA FAPESP - Ciência| Epidemiologia - Maria Guimarães Edição Impressa 172 - Junho 2010
Novos estudos mostram como detectar e reduzir o risco de quedas em idosos Uma queda é um indício de que a pessoa pode cair outra vez A maior ameaça à saúde e à vida dos idosos circula dentro de casa e nas ruas, sobretudo pela manhã e à tarde. São os tombos, responsáveis por 61% das admissões em pronto-socorro de pessoas com mais de 60 anos, de acordo com dados de 2007 do Ministério da Saúde. As quedas são um drama comum entre idosos, mas costumam ser vistas pelo resto da sociedade como inerente ao avanço da idade. As consequências são sérias demais, porém, para que o problema não seja tratado como questão primordial de saúde pública. Por volta de 16% das quedas causam fraturas, e a cada quatro idosos internados para cirurgia no fêmur um morre no prazo de um ano, de acordo com o reumatologista Marcelo Pinheiro, da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), um dos coordenadores do Estudo Brasileiro sobre Osteoporose (Brazos), o primeiro a avaliar a extensão do problema no país. Felizmente, uma série de estudos vem mostrando que exercícios simples podem evitar boa parte desses acidentes e de fato melhorar a qualidade do período da vida que alguns preferem chamar de “melhor idade”. As consequências mais sérias das quedas se devem à osteoporose, a perda gradual de densidade óssea que amea­ça sobretudo as mulheres. Ela pode ser a causa inicial da queda – algo aparentemente banal como um movimento súbito estilhaça o fêmur e a pessoa cai muitas vezes sem saber por quê. Mas em mais de 90% dos casos de fratura associada a quedas o tombo é a causa da fratura, e não vice-versa, de acordo com Pinheiro.

Levando em conta questionários respondidos em 2006 por 2.420 pessoas com mais de 40 anos, o Brazos avaliou quedas recorrentes e fraturas em 150 cidades das cinco re­giões brasileiras. Além da prevalência da osteoporose e de suas consequências, os resultados mostram também a desinformação sobre o assunto. Entre os adultos entrevistados, 15% dos homens e 30% das mulheres que já haviam sofrido fraturas tinham um histórico compatível com a osteoporose, mas 85% deles e 70% delas não estavam informados sobre a doença. “Muitas vezes a fratura é tratada e não se faz a densitometria para avaliar o estado dos ossos”, conta Pinheiro. Com base no conhecimento acumulado por outros estudos e nos indícios clínicos, os pesquisadores do Brazos estimam uma prevalência de osteoporose muito maior do que a relatada nos questionários, de acordo com artigos publicados recentemente nos Arquivos Brasileiros de Endocrinologia & Metabologia e nos Cadernos de Saúde Pública. O problema se torna ainda mais alarmante diante das projeções de aumento na população idosa brasileira ao longo das próximas décadas. De acordo com o Instituto Nacional de Geografia e Estatística (IBGE), em 2025 o país terá 35 milhões de habitantes com mais de 60 anos de idade, mais de 2 milhões só na cidade de São Paulo. Entre 2000 e 2050, a previsão é que quase triplique a proporção de idosos em relação à população total – passando de 5,1% para 14,2% –, resultado de uma taxa de natalidade decrescente e uma expectativa de vida maior.

Para o reumatologista da Unifesp, outro achado relevante diz respeito à alimentação. Nossa dieta é bastante equilibrada em termos de proteínas, carboidratos e gorduras, mas deixa muito a desejar em micronutrientes e vitaminas. “O brasileiro consome 400 miligramas de cálcio por dia, quando a recomendação internacional é de 1.200 miligramas”, conta. É um problema cultural, mais do que socioeconômico, já que até os mais abastados, das classes A e B, ingerem cerca de metade do cálcio que deveriam. Para Pinheiro, uma estratégia interessante seria fortificar alguns alimentos, como é comum em países como os Estados Unidos, ou fazer suplementação de micronutrientes. Outra deficiência importante, diretamente ligada à incorporação do cálcio nos ossos, é a vitamina D, abundante em peixes como o arenque, o atum e o salmão, além de nozes, amêndoas e azeite. “Comer esses itens é um hábito do hemisfério Norte, aqui consumimos cinco vezes menos do que a recomendação diária, cerca de dois microgramas por dia.” Além da dieta, a produção de vitamina D depende do sol, mas mesmo em países tropicais as pessoas não se expõem o bastante – passam pouco tempo ao ar livre e, quando isso acontece, passam protetor solar com medo dos malefícios dos raios solares, como câncer de pele. “É preciso expor pelo menos os braços e o colo ao sol por no mínimo 20 minutos ao dia, sem protetor solar”, recomenda Pinheiro. O impacto desses tombos e fraturas na qualidade de vida é dramático, conforme mostram dados do Brazos. O que causa a morte, no prazo de um ano, de um quarto dos idosos que fraturam o fêmur são as consequências da internação, como úlceras de pressão (escaras), embolia pulmonar e infecção. Ficar internado também pode causar depressão, abrindo as portas para demências e ampliando a dependência causada pelas limitações físicas. “É como uma panela de pressão”, compara, “a pessoa estava bem e de repente a fratura faz aflorarem os problemas que estavam latentes”. Para prevenir a osteoporose, não basta tratar os idosos. “É uma doença geriá­trica cuja prevenção tem que começar na infância, com dieta correta e atividade física.”

O Brazos, que incluiu adultos a partir dos 40 anos, revelou que os mais jovens não têm consciência do problema iminente e não tomam medidas preventivas. A principal causa dos acidentes que deixam milhares de idosos praticamente inválidos a cada ano, segundo Pinheiro, é o desconhecimento. Além da prevenção, que deveria incluir parar de fumar e de beber álcool e café em excesso, hoje existem tratamentos eficazes para manter a densidade óssea. Em alguns estados, como é o caso de São Paulo, tanto os medicamentos como o exame para diagnosticar a osteoporose – a densitometria óssea – estão gratuitamente disponíveis pelo Sistema Único de Saúde. Fraqueza - Mas diagnosticar e medicar não basta.

A osteoporose e a probabilidade de quedas não estão ligadas só pela má sorte – e entender isso pode ser crucial para a prevenção de fraturas. É que a atividade muscular ajuda a manter os ossos saudáveis. E a perda de musculatura associada à osteoporose tem efeitos diretos no equilíbrio, segundo estudo feito pela fisioterapeuta Daniela Abreu, da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP) em Ribeirão Preto, publicado on-line em 2009 na Osteoporosis International. “Acreditamos que a perda de músculo se dê junto com a perda óssea”, conjectura Daniela. Ela usou sensores eletromagnéticos para avaliar o equilíbrio de mulheres com osteoporose, com osteopenia – um estágio intermediário de perda óssea – e com ossos íntegros e verificou que quanto mais frágeis os ossos, maior a instabilidade. © Gabriel Bitar A osteoporose é uma doença geriátrica cuja prevenção deve começar na infância “A fraqueza em grupos musculares específicos causa tipos diferentes de instabilidade”, explica Daniela. Mesmo tendo perdido pouco da massa óssea, as mulheres com osteopenia já mostraram uma oscilação para a frente e para trás igual à que o estudo verificou naquelas com osteoporose, e maior do que nas mulheres sem problemas nos ossos. À medida que o osso se degrada, outros músculos também perdem massa, o que dá origem a um ciclo vicioso. De acordo com os sensores, as mulheres com osteo­porose não só balançam para a frente e para trás, mas também para os lados.

O próximo passo, segundo Daniela, é detalhar quais são os grupos musculares mais afetados para delinear treinamentos de recuperação específicos. Enquanto não se detalha esse mapa dos músculos enfraquecidos, o grupo da reumatologista Rosa Pereira, da Faculdade de Medicina do campus paulistano da USP, comprovou que exercícios físicos de equilíbrio, além de reduzir a incidência de quedas, são eficazes também para melhorar vários aspectos como o bem-estar, as funções físicas e as interações sociais. Durante o trabalho de doutorado, a fisioterapeuta Melisa Madureira desenvolveu um método para melhorar o equilíbrio de pacientes com osteoporose. Com séries de exercícios simples – como andar para a frente, de lado, levantando uma perna e o braço oposto, na ponta dos pés e nos calcanhares –, por 30 minutos uma vez por semana, associadas a alongamento e caminhada, ela já conseguiu melhorar a qualidade de vida e reduzir a incidência de quedas nos 30 pacientes do grupo experimental em relação aos 30 pacientes que não fizeram o treinamento, de acordo com artigo já disponível no site da revista científica Maturitas. Os participantes do estudo também recebiam uma cartilha para fazer os exercícios em casa, melhorando ainda mais os resultados. “Ao contrário de musculação, que requer acompanhamento individualizado, para esse tipo de exercícios não é necessário supervisão constante. Depois de aprendidos, eles podem ser feitos em casa sem problemas”, conta Rosa, que já incluiu a cartilha no atendimento rotineiro aos pacientes do ambulatório de osteoporose do Serviço de Reumatologia do Hospital das Clínicas da USP. “Medicar contra osteoporose sem reduzir as quedas não adianta, porque as fraturas continuam acontecendo”, completa. De fato, não adianta se concentrar apenas na osteoporose, já que inúmeros fatores levam aos tombos.

Um estudo coordenado pelo epidemiologista Evandro Coutinho, da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), comparou 250 casos de quedas atendidos em cinco hospitais no Rio de Janeiro a 250 controles com idade, sexo e local de residência semelhantes, e apontou baixo índice de massa corporal, déficit cognitivo, derrames, incontinência urinária, uso de medicamentos benzodiazepínicos e de relaxantes musculares como fatores de risco para quedas com fraturas sérias, segundo artigo de 2008 na BMC Geriatrics. O grupo não levou a osteoporose em conta porque nos hospitais selecionados não era rotineiro diagnosticar a doença. “O mais surpreendente foi detectar o efeito dos relaxantes musculares”, conta Coutinho, “a maior parte dos estudos não leva em conta esse tipo de medicamento”. Esses remédios, muitas vezes prescritos para aliviar dores nas costas dos idosos, podem quadruplicar o risco de quedas. Já os benzodiazepínicos são usados como tranquilizantes, e costumam ser prescritos para quem tem dificuldade de dormir. O problema é que causam tonturas, sonolência e reduzem a força e a contração musculares, duplicando o risco de queda e fratura. “Os idosos têm um metabolismo mais lento, por isso quando acordam ainda sofrem os efeitos da medicação”, explica o epidemiologista, que também se surpreendeu ao verificar que a maior parte dos acidentes acontece de manhã e à tarde e não, como ele esperava, quando a pessoa se levanta no escuro da noite para ir ao banheiro. Para ele, antes de receitar esses tipos de medicamento aos idosos, os médicos deveriam pesquisar melhor as causas das dores e da dificuldade em cair no sono, em vez de só tratar os sintomas. E, completa, hoje existem benzodiazepínicos mais adequados aos idosos, que duram menos tempo no organismo. “A cada 100 idosos, 30 cairão num dado ano”, avalia Coutinho.

Mas o risco é maior para aqueles que já caíram: 60% dos idosos que caem e se machucam voltarão a cair no prazo de um ano, de acordo com dados levantados pelo projeto Saúde, Bem-Estar e Envelhecimento (Sabe), um estudo que acompanha ao longo do tempo as condições de vida e de saúde dos idosos residentes na cidade de São Paulo. “Uma queda é um indício de que a pessoa pode cair outra vez”, comenta a médica Maria Lúcia Lebrão, da Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo (USP), coordenadora do projeto. Para a pesquisadora da Faculdade de Saúde Pública, é preciso avaliar com cuidado as causas dos tombos para corrigi-las. Muitos idosos sentem tonturas e perdem o equilíbrio mesmo sem obstáculos no caminho. Com menos força muscular e reflexos mais lentos, fica bem mais difícil corrigir posições instáveis e aqueles tropeços que, na juventude, passavam despercebidos. Somam-se a isso fatores ambientais como calçadas irregulares, sapatos que desafiam o equilíbrio e tapetes escorregadios. Iniciado em 2000 (ver Pesquisa FAPESP nº 87), o estudo de que já participaram quase 2.500 pessoas acompanha as tendências do envelhecimento do paulistano e agora inicia sua terceira fase. Dois terços dos entrevistados relataram pelo menos uma queda desde que completaram 60 anos.

Quanto maior a idade, maior o risco de cair, mas o mais surpreendente é que os fatores ambientais são um risco ainda maior do que os anos acumulados: idosos que se mudaram recentemente têm maior risco de cair na casa que conhecem mal do que aqueles que residem há muitos anos no mesmo local e já gravaram na memória os possíveis obstáculos. O estudo mostrou também que um fator importante em torno das quedas é a síndrome da fragilidade, que tanto pode causar tombos como ser consequên­cia deles. A síndrome pode ser identificada quando se observa pelo menos três de cinco sinais: perda de peso sem causa, diminuição da força muscular, fadiga, velocidade cada vez menor na caminhada e baixa na atividade física. Yeda Duarte, da Escola de Enfermagem da USP, vem analisando essa questão em um subprojeto do estudo Sabe coordenado por ela, em colaboração com Maria Lúcia. A cada seis meses, desde 2008, elas avaliaram idosos a partir dos 75 anos de idade, alternando visitas em domicílio e entrevistas por telefone. Verificaram que a síndrome da fragilidade é mais presente entre as mulheres – 17,3% delas, ante 12,3% dos homens – e entre os idosos mais longevos. “As mulheres vivem mais tempo do que os homens mas, nesses anos que vivem a mais, muitas delas podem ter uma qualidade de vida pior, uma vez que a sobrevida pode vir acompanhada por períodos de incapacidade”, comenta Maria Lúcia. Segundo a pesquisa, a população paulistana parece estar se fragilizando mais cedo do que se observa em países desenvolvidos, onde a síndrome é mais frequente depois dos 85 anos.

No estudo da USP foi observado que, em São Paulo, a condição muitas vezes já está instalada desde os 65 anos. Será preciso incluir idosos mais jovens na pesquisa para entender melhor como a síndrome se instala nessa população. A fragilidade em si se torna uma limitação séria quando a pessoa não tem forças para manter a rotina normal e leva meia hora para chegar à esquina. Mas a associação com as quedas torna o problema ainda mais grave, sobretudo quando elas resultam em fraturas que exigem cirurgia, hospitalização e imobilização mais prolongada, que contribui para agravar o quadro de fragilidade. “É preciso quebrar esse ciclo”, resume Maria Lúcia, que mantém parcerias com o Ministério da Saúde e com as secretarias correspondentes no estado e no município de São Paulo para, a partir da pesquisa, contribuir para implantar intervenções que ajudem a evitar ou reverter a fragilidade. Academia -

Um dos principais agravantes da predisposição às quedas é a falta de força muscular, de acordo com trabalho de André Rodacki, especialista em biomecânica da Universidade Federal do Paraná (UFPR). Na caminhada comum, explica o pesquisador, a flexibilidade da musculatura dos quadris é essencial para melhorar o controle das pernas, e a força dos músculos extensores do joelho garante passadas mais largas e firmes. Num estudo com 20 mulheres idosas fazendo exercícios de alongamento direcionados para a região do quadril três vezes por semana, publicado em 2009 na Gerontology, ele mostrou que bastam quatro semanas para melhorar o quanto a pessoa levanta os pés, o tamanho da passada e a velocidade. Já é um belo passo no sentido de reduzir o risco de tombos, mas não o único. Quando se trata de evitar que um molho de chaves caia no chão ou de corrigir um tropeço, é preciso que os músculos sejam capazes de gerar força muito depressa, explica Rodacki. Melhorar essa capacidade, conforme ele mostra este mês na Clinical Biomechanics, envolve treino de potência para os músculos do joelho, fazendo movimentos rápidos num aparelho com pouco peso, um tipo de exercício raramente proposto a idosos. Ele agora vem pesquisando maneiras mais interessantes de manter uma boa caminhada e um bom equilíbrio. “Esses exercícios são eficazes mas são muito chatos”, conta o pesquisador, que espera melhorar a adesão ao programa de exercícios com uma forma especialmente desafiadora de hidroginástica ou dança de salão com coreografias direcionadas. Não limitado a ossos e músculos, o problema chega também à mente e abala a segurança do idoso. O medo de cair faz parte do dia a dia de 42% dos homens e 60% das mulheres com mais de 60 anos, de acordo com resultados do Brazos publicados este ano nos Cadernos de Saúde Pública.

Não é à toa: os idosos de fato têm mais dificuldade em integrar as informações do ambiente e correm mais risco de cair, segundo mostrou a fisioterapeuta Mariana Callil Voos na tese de doutorado em neurociência defendida em janeiro pelo Instituto de Psicologia da USP. “Confie na auto-avaliação do idoso”, aconselha a pesquisadora. “A não ser nos casos de demência, ele sabe o risco que corre.” Entre os participantes de seu estudo, aqueles que completaram em menor tempo um teste cognitivo – em que o idoso precisa localizar números e letras impressos numa folha de papel na ordem certa – também se saíram melhor na escala de equilíbrio, que envolve tarefas como girar, ficar de pé e levantar-se, conforme mostra artigo que será publicado em breve no Journal of Geriatric Physical Therapy. Mariana – que trabalha no Departamento de Fisioterapia, Fonoaudiologia e Terapia Ocupacional da USP – também encontrou uma correlação clara entre o medo de cair, medido por um questionário sobre tarefas normais do cotidiano, e dificuldades cognitivas. Além do medo de cair, Mariana percebeu que a escolaridade tem um efeito importante sobre o risco de quedas, conforme indica a dificuldade em completar o teste cognitivo. “A média de escolaridade entre os idosos brasileiros é de aproximadamente quatro anos”, afirma. O estudo mostrou que pessoas com menos anos de estudo têm mais dificuldades em integrar informações, menos memória e coordenação, e portanto um equilíbrio mais precário. Além disso, completa a pesquisadora, elas têm menor poder aquisitivo e acesso mais limitado a serviços de saúde e medicamentos, o que provavelmente agrava o problema. A melhor solução, de acordo com a fisioterapeuta, não é mandar os idosos de volta para a escola.

Ela viu que exercícios simples que treinam a integração cognitiva motora – fazer ao mesmo tempo um movimento e prestar atenção em algum ponto no ambiente, por exemplo – tornam os idosos mais ágeis em pouco tempo. Mariana planeja implantar um sistema de visitas em domicílio que ajude as pessoas mais velhas a integrar as informações de seu próprio mundo. Para ela, a proposta é viável até financeiramente. “É muito mais barato para o país fazer uma intervenção pontual uma vez por mês do que manter um idoso hospitalizado com fratura de fêmur.” Um ponto em comum parece reunir pesquisadores de áreas de especialização diversas em torno da mobilidade e equilíbrio dos idosos: andar pela rua, enfrentando calçadas esburacadas e degraus, não precisa ser mais difícil do que uma gincana com obstáculos e trechos percorridos com as pernas enfiadas num saco. Medidas simples e eficazes podem devolver vigor e prazer ao dia a dia depois dos 60 anos.


Artigos científicos 

1. VOOS, M.C. et al. Relationship of executive function and educational status with functional balance in older adults. Journal of Geriatric Physical Therapy. no prelo.
2. ABREU, D.C. et al. The association between osteoporosis and static balance in elderly women. Osteoporosis International. no prelo.
3. PINHEIRO, M.M. et al. Risk factors for recurrent falls among Brazilian women and men: the Brazilian Osteoporosis Study. Cadernos de Saúde Pública. v. 26, n. 1, p. 89-96. jan. 2010.
4. BENTO, P. C. B. et al. Peak torque and rate of torque development in elderly with and without fall history

. Clinical Biomechanics. v. 25, p. 450-4. jun. 2010.